AS FORMIGAS – Conto de Luiz Vilela

Foi a coisa mais bacana a primeira vez que as formigas conversaram com ele. Foi a que escapuliu da procissão que conversou: ele estava olhando para ver aonde ela ia, e aí ela falou para ele não contar pro padre que ela tinha escapulido – o padre ele já tinha visto que era o formigão da, frente, o maior de todos andando posudo.
Isso aconteceu numa manhã de muita chuva, em que ele ficava no quentinho das cobertas, com preguiça de se levantar, virado para o outro canto, observando as formigas descerem em fila na parede. Era de lá que elas saíam, a casa delas.
Toda manhã, aquela chuva sem parar, pingando, na lata velha lá fora no jardim, barulhinho gostoso, que ele ficava ouvindo, enrolado no cobertor, olhando as formigas e conversando com elas, o quarto escuro, tudo escuro de chuva.
A conversa ficava interessante, quando ele lembrava de perguntar uma porção de coisas, e elas também perguntavam pra ele. (Conversavam baixinho para os outros não escutarem.). Mas, às vezes não lembrava nada para conversarem e ficava chato, ele acabava dormindo – formiga tinha hora que era feito gente mesmo.
O bom é que ninguém precisava gritar, nem também mentir. Como as pessoas estavam sempre fazendo. E também poder ficar olhando assim, sem falar nada, só olhando, sem precisar falar.
Gente, se tinha outra por perto, uma logo tinha que falar, ninguém agüentava ficar calado: vaca amarela pulou a janela (…..) uma falava ou ficava fazendo hum…. hum…. e ria – ninguém, agüentava. Ficar assim olhando, tão bom que nem sabia direito se estava acordado mesmo ou sonhando, as formigas, uma atrás da outra descendo em fila certinha.
Uma tarde entrou no quarto e viu a mancha de cimento novo na parede, brutal, incompreensível.

  • Pra quê que o senhor fez isso? Pra quê que o senhor fez assim com as minhas formigas?
    O pai não entendia, e o menino chorando, chorando. Então o pai deu no espalho. Mas a mãe pediu para ele ter paciência, nesse tempo de chuva as crianças ficam muito excitadas porque não podem sair à rua e não têm onde brincar
    De manhã o menino acordava e olhava para a mancha de cimento na parede. Ficava olhando até que sentia um bolo na garganta, e cobria a cabeça com o cobertor.
    VILELA, Luiz. Tarde da noite, São Paulo: Ática, 1988. p. 128-9.
    AS FORMIGAS
    Luiz Vilela

Gostei muito do conto!!!

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Publicado por blogdadivinablog

Me autodenominei Divina, Perfeita e Maravilhosa. Não é por vaidade e sim porque acredito que foi assim que Deus nos criou: à sua imagem e semelhança. Mesmo que humanamente isso pareça impossível, ao expressar minha crença me sinto bem. Busco o melhor sempre. Tenho fases, sou de Libra e isso ajuda a explicar minhas qualidades e meus defeitos. Amo a vida, minha família, meus amigos. Estudei bastante, sempre gostei de ler, li romances, documentários, biografias...mas minha maior bagagem é de vida, pois sou intensa. Amo muito, preocupo-me muito, erro muito, e procuro muito acertar! Vou dividir com vcs um pouco da minha experiência de vida, neste espaço que considero meu "travesseiro virtual" e o convido a compartilhá-lo comigo. Venha?! Criei este blog em agosto de 2010 na plataforma blogspot. Posteriormente o trouxe para o WordPress . Agora em 2021 estou agregando-o ao meu site asdivinas.com.br

2 comentários em “AS FORMIGAS – Conto de Luiz Vilela

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