Em início de 1967 eu cursava o terceiro ano ginasial e faria 15 anos em outubro daquele ano. Aos rapazes ( meus irmãos), a vida oferecia um futuro delineado no que os aguardava como serviço militar obrigatório, mas que no fundo era uma boa possibilidade de aprenderem uma profissão, engajarem na vida militar, ou mudarem para outras cidades, enfim.
Já para as meninas não havia um futuro profissional à vista, pois naquele tempo, salvo engano, os estudos em nossa cidade de Jardim encerrava-se com o curso ginasial.
Em minha família nasceram seis filhos homens, depois uma menina, mais um menino e depois eu. A prole completou – se com
mais duas meninas e dois meninos. Éramos treze filhos. Fui a segunda menina e nona filha. Com a família formada a maioria por homens, as meninas ( eu e minha irmã mais velha) não tínhamos nem uma noção do que seríamos “quando crescêssemos” e, já estávamos mocinhas.
Sendo assim ajudar nas tarefas da casa e estudar era o nosso presente. O futuro? Creio que nem meus pais faziam ideia do que esperar.
Pois bem, nesse ano a nossa cidade foi escolhida por um grupo empresarial formado por uma grande família de origem portuguesa, um grupo de irmãos, cunhado, irmã, mãe e filhos, que instalaram-se primeiramente em Bela Vista e depois mudaram-se para Jardim e foram os precursores na construção do que seria o que conhecemos hoje por uma loja de departamentos. Não que na cidade não houvesse lojas! Havia sim! Jardim com sua localização privilegiada, na região central entre as cidades vizinhas e as fazendas dos arredores era uma cidade que oferecia aos clientes lojas de tecidos finos, lojas de móveis, lojas de materiais de construção, lojas de ferragens, lojas agropecuárias e lojas de variadas mercadorias.
Mas a Luso Comercial Brasileira seria uma loja de departamentos. Lá as mulheres encontrariam desde sapatos finos, maquiagens a armarinhos; materiais de costura e tecidos, até sacos brancos para limpeza. Os homens comprariam todas as espécies de mercadorias tanto para uso próprio, como chapéus, uísques e sapatos, como materiais de fazenda, o rancho para os empregados, fumo de corda, arroz e feijão em sacos de 60 kg, móveis, lampiões, latas de querosene, cordas, fogoes a gás e tudo mais que se possa imaginar.
Isso movimentou os ares da cidade com o burburinho e o assunto de todas as rodinhas de conversas, pois gerou uma grande expectativa com a possibilidades de empregos, mais impostos para o município, o impulso para o progresso da cidade e região.
O local foi delimitado, bem no centro, um grande espaço onde montavam-se os parques de diversões que de vez em quando chegavam à cidade. Pela minha memória apenas duas pessoas tinham seus pequenos negócios em salões pequenos e antigos de madeiras e saíram do local. Era uma barbearia e o outro creio que fosse uma sapataria. O terreno ocupava o centro da quadra. Um mangueiral majestoso no meio do terreno. E esse foi o primeiro trabalho dos homens que vieram labutar na empresa. Dias e dias até acabar com as árvores, juntar a madeira, descartar as folhagens para deixar limpo o terreno. E os tratores da terraplanagem começaram a aplainar o imenso espaço onde seria construída a empresa.
Deu-se o começo à construção dos tapumes e logo em seguida o início dos alicerces do grande prédio que abrigaria a loja de departamentos; importante dizer que montou-se uma fábrica de ciblocos, uns blocos de concreto que seriam usados na construção em lugar de tijolos. Os donos eram arrojados, trouxeram trabalhadores de fora, um número significativo de homens. Meus irmãos também se cadastraram para o trabalho, caminhões iam e vinham, a cidade ganhou novos ares. Foi um acontecimento que só os mais antigos da cidade poderão me corrigir ou completar minhas observações.
Os serviços de altos falantes percorriam todos os cantos da cidade fazendo os anúncios do novo estabelecimento. Pois bem, a construção se deu rapidamente, da noite para o dia surgiu o enorme salão de alvenaria e, na parte de cima em uma espécie de mezanino, várias salas onde se instalaria a área de administração e gerência.
O responsável pela parte de Recursos Humanos era um dos irmãos portugueses, o João Gomes ou João Portuga como os peões se referiam a ele.
Com a construção terminada, os caminhões chegavam lotados de mercadorias e a arrumação da loja iniciou-se. Emblemas de grandes fornecedores nacionais como Dias Pastorinho, Matarazzo, e tantos outros estacionavam em frente ao grande armazém para descarregar as mercadorias.
Vieram trabalhadores das cidades vizinhas como Bela Vista, Guia Lopes da Laguna, Aquidauana para trabalhar.
E houve um chamamento para seleção dos novos funcionários ali de Jardim. Eu e minha irmã atendemos a data para os testes de seleção de pessoal e entramos na fila.
Com um misto de medo e alegria fui selecionada, juntamente com outras garotas das famílias mais simples da cidade. Nao me recordo como foi o processo para a seleção de pessoal, se a prova foi de português e matemática, se houve entrevista, nada disso . mas no dia da inauguração, com a benção do Padre José Ferrero e a presença de todas as pessoas importantes da cidade, eu estava lá, em fileira organizada com mais umas quantas jovens vestidas com um uniforme bege clarinho onde no bolso do peito havia o nome e o emblema da Luso Comercial Brasileira.
Inexperiente, quase caipira, sem nenhuma bagagem a não ser o dos estudos e dos livros que lia fui trabalhar na loja de departamentos. Sendo boa observadora, tímida e quieta acumulei na memória muitas episódios do que foi a chegada e instalação desse empreendimento em Jardim-MS .
Foi um período muito intenso no desenvolvimento da cidade de Jardim-MS, e para mim um período muito significativo, pois se deu juntamente com o início acelerado de minha vida adulta. Aguardo se houverem contribuições e ou correções para continuarmos juntos a rememorar os saudosos anos 1967/1968 em JARDIM-MS!