Seu Alberto era um homem bonito. De barba cerrada, bem feita, um cheiro bom de lavanda. Manco de uma perna, distraído ia e vinha do serviço a pé. Seu sapato adaptado lhe dava um caminhar seguro, apesar da diferença de tamanho entre suas pernas.
Naquele bairro trabalhadores e alunos saiam cedo para o expediente e para a escola, que também era administrada pela mesma companhia.
A entrada da escola era um quarteirão abaixo do portão principal da empresa. O movimento era grande: colegas de serviço, colegas de escola, pais e filhos seguiam juntos pela estrada de chão.
Todos os dias da semana essa era a rotina. Chegando à escola, filhos davam um “até logo” aos pais, um “tchau” a um vizinho, talvez um beijinho no avô e entravam alegremente ao pátio escolar.
Os adultos seguiam mais um quarteirão, atravessavam uma avenida asfaltada e faziam fila no portão da companhia, para bater o ponto e começar o seu dia de trabalho. Uma vida comum.
Seu Alberto era um dos trabalhadores. Seus dois filhos estudantes iam junto. Laura era filha da vizinha deles, colega dos meninos, sendo assim todos faziam esse trajeto.
No meio do primeiro semestre, em plena sala de aula, Laura sentiu cólica. Conforme já orientada por sua mãe, falou baixinho com a professora e foi dispensada mais cedo da escola. Sua mãe habituada a ver as meninas se tornarem mocinhas, logo imaginou que sua filha Laura ficaria menstruada e já tivera aquela famosa conversa cheia de recomendações: que não deveria mais andar por aí descalça, nem subir em árvores, e mais uma série de conselhos.
Dia seguinte, Laura teve sua primeira menstruação. Mal ela entendia o que acontecera , de todo modo sentiu-se diferente, talvez importante, na verdade, um misto de sensações a deixou pensativa.
Seus seios que despontavam como minúsculos grãozinhos tornaram-se doloridos e ela passou a carregar os cadernos agarrados à sua blusa, pois achou de repente que todos a olhavam.
Antes das férias do meio do ano, Laura já havia despontado como uma mocinha, perdeu o ar infantil e parecia mais bonita.
Foi nessa época que ela reparou de uma forma diferente em seu Alberto. Olhou-o como se só agora o visse, prestou atenção em sua barba bem feita, no cheiro da lavanda, e passou a preocupar-se em não perder o horário da ida à escola.
Ela passou a observá-lo como homem.
Para quem nunca fora de ir à casa da família de seu Alberto, ela agora achava um jeito de ter o que fazer ou levar para a esposa ou os filhos dele.
Ou uma manga madura, ou mostrar os pintinhos que foram chocados naquela semana, ou pedir para olhar os porquinhos que haviam nascido, pois sua mãe criava galinhas e seu Alberto criava suínos; desculpas e assuntos em comum é que não lhe faltavam.
Nessa paixonite, notou a pele dele bem lisinha e que, ao fazer a barba, aquela parte do seu rosto ficava com uma linda cor azulada. Observou seus cílios espessos e também que suas sobrancelhas eram tremendamente bonitas.
Percebeu os seus cabelos bem pretos e cacheados. Ela viu tanta beleza nele! As suas roupas eram limpas e bem passadas.
Sua esposa não era linda, nem parecia ter sido quando mais nova. Já seus dois filhos garotos eram bonitos como o pai.
E assim ela divagou por alguns dias. A palavra correta seria sonhar. Já se delineava em Laura a característica romântica. Então ela sonhava. E se fosse ela a esposa? E se fosse ela a mãe dos garotos? E se fosse com ela que ele dormisse?
Nem para sua irmã com quem confidenciava assuntos secretos ela falou dele. Ela guardou para si a sua primeira paixão de mulher.
Em um sábado pela manhã, ela ouviu os grunhidos aflitos dos porcos da casa de seu Alberto.
Correu para a cerca, subiu em uma cadeira e na curiosidade de saber o ocorrido, ficou na ponta dos pés e olhou por entre as folhas das árvores.
Seu Alberto, sem camisa, e com uma faca ensanguentada na mão, observava sedento o porco que acabara de matar. Sem dó, nem piedade.
A paixão de Laura não suportou essa cena e acabou ali mesmo.
Morreu junto com o suíno!