Cansada, tarde da noite a moça atravessa a pé um triângulo de ruas, para finalmente chegar à avenida onde passa seu ônibus.
Ela sabe que não devia fazer esse trajeto, mas só de pensar em aguardar quarenta minutos em outro coletivo para chegar ao mesmo ponto de ônibus, lhe dá o impulso necessário para, mesmo que de salto alto, “trotar” por aquelas ruas desertas e cortar caminhos.
Ela evita as calçadas, as árvores frondosas as tornam sombrias, os recipientes de lixo atrapalham, os muros escondem cachorros e os tapumes abrigam desocupados ou bêbados. Sendo assim ela anda, anda e anda batendo seu salto no asfalto. Que emana ainda o mormaço do sol inclemente da tarde.
Evita pensar, ela se abstrai. Seus passos ressoam cadenciados e sua atenção concentra-se em seus pés e em seus cadernos e bolsa bem presos em um dos braços.
Na realidade, se lhe perguntassem, talvez a moça nem soubesse responder porque escolhera aquele caminho. Chegar vinte minutos antes ou depois em sua casa, não era assim uma questão crucial. Todos estariam dormindo. Ninguém esquentaria o seu jantar, nem lhe massagearia os pés. Não há desconsolo em seu andar, o toc, toc ritmados dos seus saltos é a sinfonia naquela rua ora iluminada, ora escura onde as lâmpadas dos postes estavam queimadas.
As ruas que formam o triângulo juntam-se em um pequeno círculo, com uma estátua inócua ao meio, dois ou três bancos em volta e algumas plantas, em um arremedo de jardim. A partir desse ponto bastaria andar uma quadra e ela chegaria à avenida onde pretendia sentar-se e aguardar sua condução.
Enfim ela chega ao ponto do ônibus, poucos minutos antes do mesmo parar rangendo os freios e onde só ela embarca. Não há surpresa nem alegria nessa ação. Procura um lugar e senta-se. Ao olhar em volta, rostos desconhecidos a olham.
Nota a curiosidade dos passageiros, e estes por sua vez também lhe são estranhos. Homens com a barba do dia seguinte já aparecendo, a olham de esguelha procurando descobrir em suas roupas, em seu rosto, em seus modos, que espécie de moça subiria num ponto de ônibus deserto àquela hora da noite. Os cadernos em seus braços não informam nada, nem se é aluna ou professora.
As mulheres com sacolas cheias sabe-se lá do quê, fingem não vê-la, afinal é moça e ainda bonita, parece nada ter em comum, nem mesmo a empatia de ser mulher, como elas. Os rapazes semi-bêbados estão mais interessados em pilhérias uns com os outros.
Por uns instantes ela se desconhece e esquece o que faz ali, por aquele não ser o ônibus do seu horário habitual. Tudo por ter resolvido cortar o caminho.
Mas não importa. Não faz a menor diferença. Nem pra ela, nem para o resto do mundo. Recostou-se no banco, fechou os olhos e continuou seu trajeto.