A NOIVA

Lá vem ela! A noiva. Umas vinte pessoas a acompanham. Ela desceu de um ônibus. O noivo desceu também. As pessoas a esperavam ali. E vieram em um cortejo a pé. Ao seu lado, o noivo.

Mas os olhos de todos era para a noiva! Ela era a curiosidade, ela era a estranha, ela era a razão daquele alvoroço todo!

Tadinha da noiva…queria ser uma formiga e sumir no caminho. Nem noiva, nem formiga, nem cortejo.

Na verdade ela queria estar longe, lá em sua casa, dormindo com sua irmã, talvez até de pé sujo!

O que tem de mais? Se depois do banho elas brincassem  de pique esconde, o pé podia estar sujo, sim!

Hoje, ela se dá conta de não lembrar qual calçado cobria o seu pé de noiva…

Mas do restante ela lembra de tudo.

Tudo mesmo! Envolve timidez, vergonha, medo, vestido de noiva, casamento, padre, igreja, padrinhos, pai, irmã, gurizada, ponto de ônibus, viagem.

E o cortejo.O sentimento ou não sentimento ao estar ali, sendo a curiosidade daquele momento: da chegada à casa da mãe do noivo.

As 21:30 da noite, distante 130 quilômetros da sua cidade, da sua casa. Ou melhor, de onde morava com sua família.

Acordara como de costume, em meio ao alvoroço dos irmãos, a mãe, avó, pai, cunhada, sobrinhos em sua casa, em sua cidade, ma sua segurança.

Lá onde as 6:30 da manhã começara aquele dia. O dia do seu casamento. O dia que a casaram.

Mas tudo mudou. Ela não era mais ela. Ela passou a ser a noiva. E em torno dessa nova identidade, foi que ela viveu aquele dia, aqueles acontecimentos.

Tudo correu como o previsto. A sua mente fervilhava. O rosto, impassível, a fala, em monossílabos.

— Bom dia, diz a senhora ao adentrar no portão da casa onde nunca estivera.

É a tia do noivo, com um embrulho nas mãos, do qual tira um vestido cor de rosa com florzinhas de renda, um modelo redingote (quer dizer soltinho).

Da sacola tira um par de sapatos de saltinho.

“Sim! Ela lembrou-se dos sapatos! Eram novos e lhe fizeram calos, agora ela se recorda bem.”

É a roupa com a qual ela vai se casar.

E um terço para mãos de noiva.

Apura-se a noiva, vestem-lhe  o vestido, calçam-lhe os sapatos, sua irmã recolhe seu cabelo num coque meio frouxo, há um frenesi na casa e saem em séquito andando por uma quadra e meia para o cartório.

Sim. Desse jeito. E é tudo tão estranho, seu pai já nem a olha mais,  a tia do noivo toma à frente e fala com a tabeliã;  juntam-se as poucas testemunhas, faz-se a leitura do edital, trocam-se as alianças de mão, colhem-se as assinaturas e pronto: Não há mais noiva! Há uma mulher casada!

Enquanto isso a vizinha esmerou-se em fazer um almoço de casamento, com o que tinha. Mataram o galo. Pois  de um jeito ou outro o almoço saiu, a tia e o tio almoçaram e foram para suas casas. A noite o espetáculo continuaria. Quer dizer, o casamento.

O que faz uma noiva após o almoço enquanto espera a tarde passar para a noite dar continuidade àquele dia que afinal existe? O dia do casamento!

Muita coisa! Todos tem um palpite a dar!

— O quê? Vai casar à noite, na igreja, com o mesmo vestidinho cor de rosa usado pela manhã?

— Cruzes! Custava ter mandado fazer dois vestidos?

— Se mamãe estivesse bem, nunca que ela ia aceitar isso!

Pois bem. Alguém vai  resolver esse problema! Quem? Elas! As mulheres que rodeiam a noiva: a irmã, a cunhada, a amiga.

— Vamos, vamos  lá na loja falar com seu Alfredo!

— Imagina! Mamãe não ia gostar nada de saber que casou no civil e religioso com um vestido só!

Pobre noiva, lá vai ela acompanhando “as meninas”, na loja de  tecidos, tirar medidas e tal.

Feita a negociação, correm em casa da costureira, pedem um modelo bem básico, nada, nem um pouco elaborado, simples, simples, de manguinha, um leve franzido em baixo dos seios, uma cinta que passa e dá um laço grande nas costas. Engraçado que a noiva parecia  representar uma catarse. Como se expiasse?  De todo modo ali existia um significado, porque ninguém  dizia não.

Embora ninguém tivesse um vintém, não diziam nada.

“— Parem com isso, não dá para fazer outro vestido, parem com isso! Gritava a noiva, silenciosamente.”

De todo modo estava saindo o segundo vestido da noiva!

Pois bem. As 18 horas lá estava a noiva, com seu vestidinho branco de laçarote nas costas, cabelos arrumados num rabo  de cavalo, com um véu  sobre a cabeça, um terço nas mãos entrando na igreja para se casar. Entardecer de dezembro. Calor sufocante. Dia ainda, a noiva não se recorda de muita coisa. Tenta lembrar se entrou com seu pai. Não lembra. Tenta se lembrar das palavras do padre. Não lembra. Teve fotos? Não lembra.

Pronto. Acabou a cerimônia. A noiva já se casara duas vezes nesse dia.

Atravessam a rua e vão para o ponto de ônibus. Aguardam o horário, e finalmente a noiva sai dos holofotes. Entra no ônibus e se encolhe no banco. Todos dão adeus, desejam felicidades e voltam para suas casas.

Menos ela. A noiva. Que só quer que aquele dia termine, só quer sua casa, sua cama dividida, fechar os  olhos e dormir.

A noite ainda promete! Eles( a noiva e o noivo) estão quase sós no ônibus, um ou outro passageiro; viagem curta, logo chegarão ao seu destino final, onde estão sendo esperados.

O dia do casamento ainda não acabaria. Ela chora. Chora copiosamente. O noivo? Não sabe porque chora a noiva. Não sabe o que dizer, e nem o que fazer!

Enfim a chegada à  cidade, descer do ônibus, as pessoas estranhas à noiva, o cortejo, os noivos, as pessoas dando risadinhas,  a curiosidade.

Todos em direção à casa da mãe do noivo, que está em completa escuridão. Tão escuro como está a percepção da noiva sobre a dia seguinte, a vida , a ausência dos seus. Tudo para ela é desconhecido e amedrontador, mas ela sabe que tem que seguir e segue.

Ao chegarem lá, as pessoas do cortejo gritam sob uma chuva de arroz cru:

Viva os Noivos, Viva os Noivos!

Acendem-se as luzes e inicia-se uma festa…

O longo dia da noiva ainda não terminara…

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Publicado por blogdadivinablog

Me autodenominei Divina, Perfeita e Maravilhosa. Não é por vaidade e sim porque acredito que foi assim que Deus nos criou: à sua imagem e semelhança. Mesmo que humanamente isso pareça impossível, ao expressar minha crença me sinto bem. Busco o melhor sempre. Tenho fases, sou de Libra e isso ajuda a explicar minhas qualidades e meus defeitos. Amo a vida, minha família, meus amigos. Estudei bastante, sempre gostei de ler, li romances, documentários, biografias...mas minha maior bagagem é de vida, pois sou intensa. Amo muito, preocupo-me muito, erro muito, e procuro muito acertar! Vou dividir com vcs um pouco da minha experiência de vida, neste espaço que considero meu "travesseiro virtual" e o convido a compartilhá-lo comigo. Venha?! Criei este blog em agosto de 2010 na plataforma blogspot. Posteriormente o trouxe para o WordPress . Agora em 2021 estou agregando-o ao meu site asdivinas.com.br

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