— Oi, vai desocupar?
— A vaga? Sim, só um minutinho.
Logo chega um garotinho e entra no carro de Diana.
O carro do rapaz estava com o pisca alerta ligado, ele afasta-se um pouco para que ela possa sair.
Ela dá um tchauzinho e arranca com o carro. Não sem antes olhar pelo retrovisor e reparar bem no modelo e cor do veículo.
Ah, pensa ela, o que é bonito é para ser olhado!
— Bom dia! — Diana está pegando pão no balcão e volta-se para olhar quem era.
Ele. O rapaz do carro.
— Bom dia. Parece que gostamos do pão fresquinho, não é?
Ela sorri e vai para o carro.
Desta vez é ele que sai até a porta e fica olhando ela sair com o carro. Diana está curtindo a situação.
— Lídia, tudo bem?
— Tudo amiga, e você?
— Lidia, me diz uma coisa: você assistiu àquele seriado chamado a Engraçadinha?
— Claro, amiga! Quem não ficou ate as dez horas esperando pelo horário que o seriado ia passar?
Era tanta expectativa, não sei se de um conto de Nelson Rodrigues, ou se era baseado em alguma obra dele e tal.
— Por quê?
— Menina, eu estou num tesão que estou me sentindo a própria Engraçadinha!
— Ahahah, não me diga! Mas você tá falando dela na segunda fase? Porque tem ela mocinha ainda. E depois ela já na faixa dos trinta e poucos. Como você, né dona Diana?
— Lidia do céu! O que é isso? Serão os hormônios? Não sei não, mas eu te falo: estou por um triz pra sair com um rapaz de uns 20 anos, lindo, moreno, sensual e que tem me dado umas olhadas que eu chego a amolecer as pernas, só de imaginar a pegada.
— Caracas Diana! Tá desse jeito? E aquele seu conservadorismo todo? Não foi você que detonou a pobre da Carmem, quando o marido dela descobriu que ela estava tendo um caso com o mecânico?
— Lidia por isso estou te ligando… para você me por um pouco de juízo ou clareza nas ideias!Parece que eu não sou mais eu. Meu corpo é só instinto, desejo, luxuria. Faz tanto tempo que não tenho mais isso! Pensei que eu estivesse morta para os prazeres da carne, mas não! Nunca me senti mais viva!
— E o Pedro?
— Que tem o Pedro?
— Sei não Diana… dizem que mulher solta cheiros, uns tais de feromônios. E que homem tem faro e percebe quando ela tá traindo ou querendo trair. Sei lá.
— Não, Lidia. O Pedro é tranquilo. Não tem interesse, não tem ciúme, só mesmo o trivial, de quinze em quinze dias, para cumprir tabela. Lembra quando as meninas da faculdade falavam que não devíamos namorar os melhores da sala? Quem é muito estudioso, não curte sexo.
— Só você, Diana, pra me lembrar dessa fala das meninas!
— Olha, amiga, não vai adiantar eu te falar nada. Mas não me deixa de fora das novidades, tá bom?
— Ah não! Já vai desligar, Lidia? Poxaaa.
— Tenho horário, amiga. Amanhã conversamos mais, tá bom?
— Ok!
***
— Oi, Diana! Tá sumida. O que anda fazendo?
— Oi, Lidia! Andei ocupada. Vamos tomar um café?
— Vamos.
— E então amiga? Quais são as novidades?
— Amiga, andei revendo um filme que era um fetiche meu. Daí peguei um livro enorme e fui reler algumas partes… Bom, posso te dizer que o livro foi um impacto tão forte em mim, que parece que eu despertei de uma letargia, não foi nem sonho, nem pesadelo. Era como se eu não estivesse presente… como se eu voltasse de algum lugar dentro da minha mente, onde eu não me reconhecia.
— Vou resumir: voltei a ser quem sempre fui, estou feliz, adoro minha vida e até passei a frequentar as novenas das quartas-feiras, com minha mãe. Depois saímos, tomamos um café, eu a deixo em casa e vou leve e feliz para a minha.
— Estou bem, Lídia, como se eu tivesse achado o meu lugar certinho no mundo.
— Você? Sempre tão inquieta, tão curiosa…Não acredito. — E aquele gato? Aquela situação toda que você me contou?
— Ah, amiga… foi como eu te falei. Eu me equivoquei. —— Achei que precisava por um pouco de ação em minha vida. Que seria capaz de viver um romancezinho banal, só pelo prazer da mentira, do oculto.
— Aí eu olhava pro Pedro, tão lindo, tão ocupado com seus processos, tão gente boa…Comecei a repensar a minha vida. Resolvi fazer um “estudo de caso”.
— Peguei aqueles filmes bem pornôs, assistia e ficava com uma espécie de ressaca moral. Outros eu me enojava. Outros eu achava tão sórdidos que eu parava de assistir. Fui tendo uma overdose de personagens promíscuos, vadios, sem moral, sem escrúpulos.
— E ai? — Aí revi o filme que mexia muito com minha imaginação. Um romance quente, incrível, sexy, assistido há uns quinze anos atrás, e desde então eu o acariciava como um sonho a ser realizado.
— Ah, até já sei qual é. Você já tinha me falado desse filme. É o Ladrão de Corações, não é?
— Esse mesmo!
— E aí? Aí que eu pude colocar os personagens reais no enredo e não gostei do que poderia acontecer…
— Nossa! Você foi fundo mesmo em sua dúvida!
— E que mais?
— O livro. Desse nem vou falar. Só pelo nome você vai saber: Madame Bovary. Lembra quando o lemos para o trabalho de Literatura? A polemica que deu? Era a sociedade repressora? Ela seria uma mulher que obedecia aos seus instintos mais primitivos? A forma como ela foi descrita, a crueza como a sociedade a julgou, o seu fim melancólico, tudo calou fundo em minha alma.
— Sabe por quê?
— Descobri que não sou nem a engraçadinha e nem a bonitinha mas ordinária. Ainda sobrava em mim a característica juvenil de querer infringir, sei lá.
— Mas não suportei pensar que eu ia engrossar as estatísticas de lares desfeitos, casais de faz de conta, mulheres que traem seus lares, seus filhos, seus maridos. — Foi isso, Lidia!
— Caraca, Diana! Ganhei a aposta!
— Que aposta?
— Que fiz comigo mesma!
— Hahaha! Você ainda tem essa mania Lidia? Só você mesmo
— Vamos amiga?
— Vamos! Embora falar de outras coisas!