Sabe aquela música brasileira ”Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí”, de Assis Valente, que foi sucesso primeiramente na voz da cantora Carmem Miranda e depois com inúmeros outros artistas? Vocês a conhecem?
Se a resposta for sim, então penso vir à sua mente um tipo de homem cheio de malemolência, daqueles de boa lábia e um conquistador.
Mas o homem que chegou não era assim. Ele demonstra cultura geral, entende de política, não parece um conquistador barato, tem boa aparência e se veste bem. Ele estava sim, com uma camisa listrada quando Diana o viu pela primeira vez, mas dentro de um contexto elegante.
Como era alto, Diana olhou para cima para encará-lo, e algo em seu olhar ela não sabe explicar exatamente o quê, fez ela pensar: ”ainda bem que estou bem”.
Qual afinal era a circunstância onde estavam se conhecendo?
Um novo membro da equipe estava sendo apresentado à Diana. Um funcionário transferido de outra filial. Seu chefe a chamou na sala e apresentou o rapaz.
Num primeiro momento, sobressai nele sua altura, sua elegância, e seu olhar indireto.
Isso já deveria bastar para acender um alerta em uma chefe mulher, porque o mundo ainda é machista, quer queiramos ou não. E Diana sendo casada, sentia-se desnorteada com uma espécie de clima, um constrangimento difuso, entre eles.
Foram apresentados, conversaram sobre o esperado ali naquele setor e tudo foi ajustado.
Os dias se passaram, a quase rotina se estabeleceu, todos no convívio natural de uma equipe de vendas, com Diana como chefe e Douglas, o novato, se mantendo distante e discreto.
Estaria ele sorrateiramente a observando? Perceberia, talvez, que ela não se sentia à vontade com ele? Ela perdia a naturalidade e praticamente não lhe cobrava meta, ou o horário, ou a displicência que ele demonstrava em conhecer o trabalho?
Os dias passaram e em uma sexta-feira, Douglas não sai cedo como costumava fazer. Não há como descrever detalhes, o clima era pura eletricidade, Douglas aproxima-se de Diana e beijam-se apaixonadamente! Um beijo desejado por ambos, essa era a única verdade.
E o beijo foi exatamente como ela lera nos romances: sentiu-se flutuar, sua alma fundiu-se com a alma de Douglas, as tais borboletas revoavam não só em seu estômago, mas em todo o seu corpo e, quando afinal ele a soltou, um suspiro mútuo selou aquele momento.
Douglas a olhou bem nos olhos e falou: você deveria se chamar Diana dos Santos Souza e saiu. Souza era o sobrenome dele!
Na segunda-feira seguinte Diana recebeu um memorando informando-a que Douglas pediu transferência de setor. Ele simplesmente evaporou-se , desapareceu.
Trinta anos se passaram. Não houve convívio, não houve amizade, só pequenas manifestações sociais sem profundidade entre Diana e Douglas, durante todo esse tempo. Por diversas vezes tanto ela como ele tentaram um relacionamento cordial um com o outro e, em todas as tentativas a “amizade” não progredia. Profundos eram os sonhos que perturbavam o sono de Diana, profundo eram os pensamentos e as perguntas para si mesma. Dizem que onde nasce um grande amor, não nasce uma amizade. Ou estaria ela confundindo com uma letra de música? Não, ela realmente não sabia e já desistira de tentar entender o que se passara entre eles
E agora, Diana com 56 anos, assim do nada recebe um telefonema:
— Oi, tudo bem?
— É o Douglas
— Douglas?
— Sim! O que voce tem feito? Como voce esta?
— Diana automaticamente vai respondendo, em uma conversa constrangida, quase sem sentido, ate que ele diz:
—Você aceitaria tomar um café comigo?
—Estou desmontando a minha casa e tenho muitos livros, CDs e DVDs dos quais estou me desfazendo e como são objetos de estimação, resolvi fazer uma espécie de queima de estoques entre os amigos, a preços módicos.
— Quer vir dar uma olhada e aí a gente toma um café, pode ser?
Oi? É isso mesmo? Sem mais nem menos? Diana consegue disfarçar a surpresa e diz:
— Sim, vamos marcar!
Como se fossem amigos de longa data, o que não eram! Como se fossem colegas que não se falavam há tempos, o que também não eram!
Como se não tivessem se chamuscado ou torrado em um beijo voraz e passageiro ha trinta anos atrás?
Como se ele não tivesse fugido ou evitado o que poderia, com certeza, acontecer entre eles?
Estranho, muito estranho, pensa ela, num misto de surpresa e medo. Ou não era medo? Era uma surpresa inquieta, ela diria.
E quanto ao convite para o café? Diana não tinha dito sim, nem talvez. Apenas disse: a gente marca.
Ela estava longe, em outra cidade e só voltaria ao final do ano. Mas não contou isso a Douglas. E vez ou outra ele entrava em contato com ela pelas redes sociais, conversava e reforçava a tal história do “brechó” de desapego dos seus livros, etc…
Diana já tinha tido sua dose de dor e amargura há muitos anos e não se arriscaria novamente, sob nenhuma hipótese, pensava ela.
Mas o coração não tem consonância com o cérebro, todos sabem disso.O que ela pensava não condizia com seus batimentos cardíacos quando via o nome de Douglas num recado de watts.
Não, não era possível que Diana tivesse esquecido tudo que passara há anos! A mistura de sentimentos, o emagrecimento, a desconfiança dos colegas, o ciúme de seu marido e principalmente a pergunta: por quê?
Qual foi a razão da fuga de Douglas? A quem ele quis preservar? Ele próprio ou ela? Sim, porque Diana acreditava que aquele beijo foi dado como para tirar uma prova. Uma prova perdida, talvez?
Mas havia três mil quilômetros e ainda dois meses de distância entre eles. As mensagens de Douglas não eram diárias nem muito frequentes, mas ele não deixava de relembrar Diana, do seu convite para o café.
Diante disso Diana se animou e fez uma brincadeira com ele:
— Eu já estou como a raposa do livro Pequeno Príncipe: ansiando por esse café! E recitou baixinho:
“Se você chegar às quatro, as três começarei a ser feliz!”
Vejam vocês como era fácil de Diana se enredar novamente!
Douglas não a corrigia, não dizia:—Não, não é isso que você está pensando! Seria demais Diana esperar isso dele. Seria sim…
Enfim, o café.
De dentro da cafeteria uma senhora observa um carro estacionar e dele desce um senhor alto de cabelos grisalhos. De moletom e tênis, mancando levemente.
Era Douglas. O coração de Diana parecia que ia sair correndo, tão fortes eram as suas batidas. Ela respira fundo e se recompõe. Anos de yoga, anos de análise, afinal tem o seu valor.
Seria um café significativo, pelo que consta, pois ao comentar ter desmanchado sua casa e estar se desfazendo de livros, CDs, DVDs, Douglas praticamente a estava convidando para saber de sua vida, de seus planos.
Diana, apesar dos anos passados, ainda era uma mulher bonita, mas não deixou de ficar dias e dias pensando se lhe faria bem esse encontro. A paz duramente conquistada, a vida tranquila lhe eram extremamente caros, mas a curiosidade falou mais alto e ela se esmerou ao se preparar para ir ao encontro de Douglas.
Douglas fala e fala, ela o ouve, faz um ou outro comentário, vai bebericando seu café e observando aquele homem idoso, querendo encontrar nele o jovem por quem se apaixonara. Um idoso e com cheiro de remédio, pensa ela, com tristeza.
Em uma manhã ele colocou em dia sua vida passada, sua vida atual e seus planos futuros. Agora, passados três horas de conversa, parecia desarmado, esvaziado talvez.
Como mais ele que falara, Diana teve a impressão de ele próprio querer se convencer da sua história.
Será? Pensou Diana. Ela se manteve como quando se preparou para ir vê-lo. Com suas reservas e muralhas bem presentes.
E você, perguntou a Diana? O que tem feito? Diana lhe contou ter comprado outra casa, morava sozinha, mas era vizinha de sua filha, ainda trabalhava e estava bem. Ele perguntou: você acha ser essa a sua moradia definitiva? Ou ainda não é a casa que você sonha? Ela sequer gaguejou para responder que sentia não ser a última.
Por quê? Se ela nem pensara nisso? Por que respostas sem filtros saem assim, do fundo da alma? Porque embora ela estivesse com sua carapaça bem ajustada, nalgum ponto fraco o antigo amor teria achado uma brecha?
Diana rapidamente pegou sua bolsa e disse que iria embora, era quase hora do almoço e tinha outro compromisso. Douglas lhe agradeceu por ter ido e por ter comprado alguns itens.
Ao saírem para o portão, Diana num impulso o convidou para jantar “qualquer dia desses”num restaurante novo que tinha uns filés ótimos! Douglas assentiu e disse: vamos sim!
O que aconteceu ali, naquele exato momento? Foi como se uma rajada de vento varresse o clima amigável e quase íntimo em que terminaram a manhã!
Diana o assustou? Nunca se saberá! Eles se despediram com beijinhos na face, quando Diana queria era estreitá-lo num abraço, um abraço fraterno que fosse, um abraço de despedida talvez.
Mas tanto Diana quanto Douglas já estavam vestidos dos seus personagens, cada qual com suas lembranças, dúvidas e certezas.
Sendo assim nada aconteceu daquele insistente café!
Mas como todos sabemos, nem em todos os romances acontece o final Felizes para Sempre!
Um quase abraço, um jantar que não aconteceu, um final do que nunca houve, um amor desmedido, uma paixão insensata.
A história de amor de Douglas e Diana.
O café já esfriou.
F I M