TRAGA O MATE

Linhas coloridas, brancas, carretéis com formato de cones.  Tesouras que faziam roc, roc ao deslizar nos tecidos mais encorpados, obedecendo o trajeto comandado por aquelas mãos já calejadas.

No chão, caixas para juntar as arestas e retalhos, que ao fim do dia seriam separados para uso futuro ou descartados, como as bandeirolas  multicoloridas ao fim das festas juninas. Carretéis de linhas já vazios eram disputadíssimos pelos meninos. Seriam as rodas dos tratores que puxariam outros objetos, tais como latas de leite ou caixas vazias de chá ou o que a imaginação mandasse. Quanto mais carretéis houvesse, maior seria o “carregamento”. 

Sobre a máquina de costura, alfinetes e agulhas espetados num gatinho feito de tecido e enrodilhado em si mesmo, além de um dedal, fita métrica, giz.

Nas prateleiras enfileiradas em uma parede, havia grandes carretéis de sianinhas, fitas, fechos-éclair, vidros com botões variados que pareciam caramelos.

Um grande espelho bisotado, com moldura escura encostado à parede em  ângulo, onde se podia ver o corpo todo, ficava  sobre um tapete. 

Era uma sala média com inúmeros  objetos interessantes. Mas não era de livre acesso, assim como os outros cômodos da casa. 

Ali era a “oficina de costura” de nossa avó.

Um mundo encantado a que pertenci durante o final da infância e o começo da “meninice”. 

Como eu tinha acesso? Ah, eu era privilegiada por ter desenvolvido uma qualidade ou destreza, eu não sei bem! Ou talvez eu fosse a preferida dela! O que sei é que eu amava aquele universo! Mas a verdade é que eu era uma excelente carregadeira de mate.  Eu aprendera a fazer um bom chimarrão. Sabia que não deveria colocar mais água do que o necessário, senão a erva ficaria nadando na cuia; não poderia ser pouca água, senão o mate já chegaria seco, não poderia ser tão quente que pudesse queimar a boca de quem o tomasse, e nem frio para que não se perdesse a graça de tomá-lo. Encher uma cuia de mate era uma arte!

E durante esse período de tempo em que eu atendia minha avó, meus olhos iam cuidando o que estava indo para as caixas de descartes e eu já separando mentalmente o que me interessaria. Tecidos de florzinhas se sobrepondo aos listrados e estes, por sua vez, misturados aos xadrezes. Um sem número de estampas, cores, texturas.

Eu era premiada em escolher primeiro os retalhos que seriam depois transformados em roupas de bonecas, ou seriam trocados por alguma coisa que outra irmã tivesse. Tudo naquela sala me enchiam os olhos e hoje sinto me aquecer o coração.

Também era uma sala de segredos. 

— Põe mais uns gravetos no fogo e espera a chaleira chiar—Dizia minha avó.

Era como uma senha. Senha para que eu saísse da sala. Algo seria conversado ali que criança não poderia ouvir.

Eu fazia o que ela mandava, saía por uns momentos até que ela chamasse.

— Pode trazer o mate!

Ocasionalmente era uma sala de luto. Chegavam sempre em duas, a viúva e a filha, a mãe e a avó, duas irmãs…Elas não traziam alegrias. Vinham tristes e encolhidas como se estivessem com frio. Minha avó sempre tinha uma palavra de consolo, entre ouvir sobre o ocorrido e anotar detalhes das roupas.  Essas clientes não demoravam. Só o tempo mesmo para tirar as medidas. Nem havia prova. A roupa era aprontada rapidamente e, no outro dia, lá ia um menino entregar as tristes encomendas. 

Era uma sala de festas! Gravidez?

— Olha esta revista, é clássica — dizia minha avó. —— Ah, mas essas já são para o fim da gravidez, agora vou querer este modelo, não acha mamãe?—perguntava a jovem mãe. 

— O que acha? — Perguntava à sogra. A sogra geralmente dizia: você que sabe, querida. 

Nessas ocasiões geralmente vinham as três.

A grávida e as duas avós. Nesse dia não tinha hora certa de mate. A avó dizia que seria só depois que “as visitas” fossem embora.

Por três gerações eu vivi e absorvi a atmosfera desse mundo encantado. Uma sala onde não se costurava apenas roupas!

Encantado por ser um ambiente onde as almas femininas, como as linhas se entrelaçavam e se reconheciam na dor, na tragédia, na doçura e na alegria.

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Publicado por blogdadivinablog

Me autodenominei Divina, Perfeita e Maravilhosa. Não é por vaidade e sim porque acredito que foi assim que Deus nos criou: à sua imagem e semelhança. Mesmo que humanamente isso pareça impossível, ao expressar minha crença me sinto bem. Busco o melhor sempre. Tenho fases, sou de Libra e isso ajuda a explicar minhas qualidades e meus defeitos. Amo a vida, minha família, meus amigos. Estudei bastante, sempre gostei de ler, li romances, documentários, biografias...mas minha maior bagagem é de vida, pois sou intensa. Amo muito, preocupo-me muito, erro muito, e procuro muito acertar! Vou dividir com vcs um pouco da minha experiência de vida, neste espaço que considero meu "travesseiro virtual" e o convido a compartilhá-lo comigo. Venha?! Criei este blog em agosto de 2010 na plataforma blogspot. Posteriormente o trouxe para o WordPress . Agora em 2021 estou agregando-o ao meu site asdivinas.com.br

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