— O que é isso?
— Não sei. Encontrei aqui na mesa de fora.
— Quando foi?
— Que encontrei? Agorinha, quando terminei de tomar o café e vim dar comida para os gatos.
— Você pegou? É pesado?
— Não. Como eu te falei, acabei de encontrar.
— De quem será?
—Não sei, mas eu queria saber o que é.
— Melhor não.
— É. Melhor, mesmo.
— Então anda. Vamos colocar os uniformes e ir pra escola.
Deixaram, então, o pacote na mesa e foram se arrumar.
Paulo era mais velho. João, o menor, adorava o irmão e não faria nada que ele não aprovasse.
O dia passou, aprenderam coisas novas, leram, ouviram histórias, brincaram, comeram na escola e, à tardezinha, voltaram para casa.
Era uma escola rural. Dessas que existem nos arredores da cidade, que têm a função de atender as crianças cujos pais trabalham nas roças. No caso, os pais dos meninos tinham roças em comum com o casal de tios mais idosos e experientes. Como ainda eram jovens, os serviços da madrugada eram responsabilidade deles.
Ordenhar vacas, dar milho às galinhas, colher ovos, limpar as pocilgas, molhar a horta, arrumar as verduras para serem levadas à cidade e atividades do tipo. O tio era o homem de negócios. O que comprava e vendia a produção.
No recreio, João foi até onde estava Antônio e perguntou:
— Será que foi o tio que trouxe o embrulho? Mas porque deixou ali na mesa de fora?
— Não, diz Antonio. Não é papel da venda.Larga mão, João! À noite vamos saber.
Os meninos voltaram da escola. O horário da janta era sagrado.
As novidades eram comentadas, as crianças faziam suas tarefas, a mãe limpava a cozinha, o pai ia dedilhar seu violão no alpendre da casa.
Logo em frente da residência, um enorme pé de marmelo do cerrado era o dormitório dos pássaros, que passavam em revoadas duas ou três vezes, antes de se aquietaram.
Já iam se recolher, quando Antônio lembrou do embrulho e perguntou pro pai.
— O que é aquele embrulho, pai?
— Que embrulho?
João correu para buscar e não encontrou nada na mesa.
—Ué, tava aqui.
— Do que você tá falando menino?
— Um embrulho que tava na mesa lá dos fundos hoje cedo — disse Antônio.
— Tava agora à tarde quando chegamos da escola também — falou João.
— Bom, se não tem nada lá, então não é nada — Decretou o pai indo para o quarto.
João olhou para Antônio, que olhou para a mãe, que fez um sinal com a cabeça indicando o quarto e deu por encerrado o assunto.
Os meninos deitaram e conversaram baixinho debaixo das cobertas.
— Antonio, tá perto do Natal?
— Que Natal, seu bobo! Não vê que mal começaram as aulas?
— Ah, tá.
— Mas você viu, né? Insistiu João.
— Claro que vi!
— E porque eles estão se fazendo de bobos, então?
— Deve ser coisa de gente grande.
— Mas então não vamos saber?
— Sei lá.
João não se conformava. Começou a chorar baixinho.
Antonio abraçou o irmão e ajeitou o cobertor.
— Dorme, João. Esquece isso.
Passaram-se os meses, chegaram as férias, os meninos brincavam o dia todo, a mãe já não saia mais com o pai nas madrugadas; agora ela ficava em casa, fazia bolos, arroz doce, bordados, costuras. A vida seguia seu curso, até o dia em que ela chamou os meninos e disse pra eles:
— Venham cá que vou contar uma coisa boa!
Eles correram animados até onde estavam os pais, os tios e uma moça da vizinhança que agora ajudava a mãe nos serviços da casa.
— Conta, conta mãe!— Disse João batendo palmas.
— Espera a mãe falar, guri!— António ralhou.
Todos sorriam olhando para os meninos , pra não perder a reação deles.
— Vocês vão ter uma irmãzinha!— anunciou a mãe.
Antes que a notícia terminasse de reverberar na sala, João gritou:
— O embrulho! O embrulho!
Pulava e abraçava a mãe, por achar que descobriu o que havia no embrulho!