Após a Tempestade

Um raio seguido do ribombar de um trovão iluminou o entardecer por vários segundos. As frestas das janelas batiam, o vento zunia, a água da chuva caía forte jorrando com grande estardalhaço nas calhas de contenção, sobre a marquise do prédio.
Paula acordou com o barulho do temporal. Custou a situar-se no tempo e no espaço. Celular sem bateria, o dia indo embora. Como assim? Era entardecer quando aconteceu tudo e agora noite ainda?
Paula saiu do quarto e ficou olhando para a chuva pela janela da sala. Na verdade ela estava absorta em seus pensamentos. Como um autômato olhava sem ver.
Abriu a geladeira, pegou um refrigerante, sentou-se e olhou de verdade, para a chuva que caía. “Que ainda cai”, ela murmura. Sorveu lentamente o líquido marrom do copo e fez uma analogia: “escuro como eu”.
Sentiu frio, ergueu os pés na cadeira e enrolou-se em seu roupão, a cabeça enterrada entre os joelhos. Uma imagem desoladora.

Uma mulher, uma cozinha fria, sem panelas ao fogo, nem um café fumegante, menos ainda, um gato ronronando. Virou o copo de coca cola e tomou de uma vez só.
Olhou o copo vazio, percebeu que não faria diferença se tivesse tomado água…
Continuava desconcertada, enrolada em si mesma, sem saber o que fazer. Paula nunca se sentiu tão só. Para quem ligar, como enfrentar o que houve?
Os braços em volta das pernas, deitou a cabeça e rememorou tudo.

Estava escurecendo, talvez fosse dezoito horas. O movimento da rua molhada, não estava tão característico, como era em todos os dias em que deixava o prédio. Era sexta-feira e ela saiu mais cedo do seu escritório. Havia deixado o carro rente à calçada, já com o objetivo de pegar menos trânsito. Entrou rapidamente em seu automóvel, e ao manobrar a marcha a ré sentiu que bateu em algo. Não foi uma batida tão forte, mas ouviu o barulho de alguma coisa cair.
Olhou pelo retrovisor, uma roda de bicicleta rodava e rodava no ar.
Pisou fundo no acelerador e se afastou do local, espiando amedrontada para os lados.
Nunca imaginou fugir de um acidente. Mas o pavor gelou seu sangue e ela saiu rapidamente imaginando as manchetes: “Advogada atropela e mata ciclista”.
Andou algumas quadras, entrou em uma ruazinha sem movimento, e encostou o carro, sem desligar. Respirou e inspirou o ar até diminuir as batidas do seu coração. Enxugou as mãos em seu casaco. Gotas de suor brotavam de sua fronte, apesar do ar condicionado do carro ligado.
Três minutos depois retomou seu caminho, dirigiu automaticamente, mal enxergando as luzes dos postes, lágrimas escorrendo de seus olhos; em sua cabeça ecoavam vozes acusadoras. “Por que não desceu do carro, não foi ver o que fez?” “Foi só uma bicicleta estacionada na calçada?”
“E se o baque que ouviu foi de um corpo?” “E se a pessoa morreu?”
Chegou em seu prédio, entrou e olhou o seu jeep.
Mal se percebia um arranhão, com pequeno descascado na lataria. Ela o estacionou ao contrário, com a traseira para a parede e subiu rapidamente.
Tomou um banho, engoliu dois comprimidos para dormir e caiu em sua cama.
E agora, 24 horas depois, ela se dá conta de tudo o que aconteceu.

Sentada em sua cozinha, frente a frente com o acontecido, sem saber que atitude tomar e quais seriam as consequências.

Toca a campainha. Paula estremece. Pensa em fugir, sair pela porta dos fundos, descer as escadas de incêndio do prédio, esgueirar-se pelos vãos de encanamentos de água e gás e fugir, fugir!


No entanto, sabe que não fará isso. Ela suspira e mesmo sentindo temor do que virá, o medo impregnado em cada fibra e músculo do seu corpo, resignada, ela vai até a sala abrir a porta.

No vão da porta, de short de ciclista, capacete oval na cabeça, camiseta manga comprida colada ao corpo, luvas cobrindo o dorso da mão, um rapaz sorri para ela e diz
— Oi! — Paula, não é?
— Ela faz um sinal afirmativo com a cabeça.
— ok! Sou o Gustavo. Sou seu vizinho.
— Paula abre a boca, mas não sai nem um som.
— Gustavo ri e faz sinal com a cabeça — Posso entrar?
— Entra, por favor.
— Então, Paula. Estou me mudando para a sala 105, no mesmo andar onde você tem seu escritório. Prazer.
Paula estende a mão de modo automático.
— Prazer
— Vi quando você derrubou sem querer a minha bicicleta ontem naquele temporal. Vim te dizer que não houve nenhum grande estrago. Como vê, já estou pedalando de novo. Isto é, estava
até agorinha, quando a chuva engrossou.
Paula gagueja, mas antes que possa falar algo ou se desculpar,
Gustavo faz conchinha com as mãos e diz sorrindo:
— Tenho que confessar que eu não devia ter deixado minha bike lá. Tem um cartaz proibindo.
Então estamos quites, ok?
O suspiro de Paula foi muito expressivo. Alívio, vergonha, todo o stress. Caiu em choro.
Só aí Gustavo percebeu o estado deplorável dela. Ele a segurou pelos braços e a conduziu para o sofá.
Paula virou a cabeça, para que ele não percebesse o alívio que sentia.
Gustavo perguntou? – Posso? – apontando para a garrafa de café.
Paula fez que sim com a cabeça, e disse:
— Hoje não fiz café.
A chuva parou e uma claridade entrou pelo vão da cortina.
Ambos olharam para a sacada de onde viram o último raio do sol se abaixando no horizonte.
Sorriram e foram para a cozinha fazer o café.

Maria Elza

O céu e o inferno

O Céu e o Inferno
É setembro. Sara faz aniversário, e ela deveria estar em estado de graça;
ter nascido no primeiro mês da primavera sempre mexeu com suas emoções.
Sentia-se festiva todos os dias dessa estação. Mas isso foi antes. Quando amava seus aniversários.
— Sara, o que você quer como tema da sua festa?
— Escolha você, mãe, só não se esqueça das flores.
E houve festas de cor laranja, com as maravilhosas gérberas, cujas pétalas pareciam desenhadas e recortadas por algum artista.
As hortênsias folhosas decoraram os seus doze anos nos mais lindos tons de azuis.
Aos quinze anos, foram as flores amarelas. Guirlandas de girassóis enfeitavam o terraço; o sol descendo no horizonte alaranjado fazia mais lindo ainda o cenário cintilante e musical da festa de Sara.

Flores em vários tons de amarelo, talheres dourados,taças de cristais âmbar; a beleza do ambiente e de Sara eram complementares; ela rodeada pelas amigas e pelos rapazes, um clima de alegria, flertes e conquistas, umap trama ainda inocente e juvenil.
Aos dezoito anos, as rubras rosas colombianas teriam sido as estrelas da festa, não fosse o esplendor de Sara, desabrochada em uma linda mulher.
O ambiente parecia elétrico, era como se ela penetrasse um mundo denso, com intrigas e paixões, com um encanto novo no ar.
Suas amigas brindavam com champanhe. —Sara, este é o Paulo, o mais novo morador do hotel do tio Onofre.
Ela sentiu um estremecimento.
Sara sabia que estava a um passo de mudar toda a sua vida. A sensação era de que iria saltar de um penhasco com os olhos vendados.Reuniu então todas as suas forças e embarcou nas palavras de Paulo.
—Prazer, Sara! Sua festa é digna de uma rainha. Parabéns!
Ela sorriu e foi dançar com seu par.

Sara rodopiava pelo salão, e sentia os olhos de Paulo a observar. Um arrepio desceu por suas espáduas.
Dez horas da manhã, cabelos soltos, calça jeans, camisa branca. Um leve blush no rosto e lábios com batom rosa, Sara ouve a campainha. Quem está à porta?
Paulo.
— Sara, poderia me mostrar as plantações de rosas? Soube que pertence a sua família.
Uma lassidão nunca sentida a fez permanecer muda, uma mão na porta, a outra apertando ao peito o livro que estava lendo.
— E então, vamos?
Esse foi o dia em que Sara foi ao céu e depois ao inferno.
O dia em que ela pediu que o tempo parasse.

Mas ele não a ouviu. E continuou o seu trajeto inexorável. Sem parar e nem olhar para trás. Assim como Paulo.
Sara faz trinta e três anos. Não festeja mais seus aniversários.
Proibiu a mãe de festejar os aniversários do neto André, hoje com quinze anos.

Esse tempo, o tempo das festas e das flores, já

passou.

Maria Elza

É a vida…

Crônicas

É a vida

09/05/2023

Maria Elza G. Gonçalves

por:  Maria Elza G. Gonçalves

D. Neuza conta a sua história e dá risada. A Beth acompanha com os olhos e de vez em quando esboça um sorriso. É evidente em sua face a admiração que tem pela irmã. As outras mulheres que estão nessa roda são de idades iguais ou próximas a Neuza, apenas duas são bem mais novas.

De vez em quando ouvem-se risos, depois palpites, silêncio e novas risadas. É lindo ver a cumplicidade, a confiança e a interação entre todas. 

E o que conta ela? Ahhh, o tema é a difícil e complexa vida amorosa do ser humano. E mais ainda quando os pretensos namorados se encontram na terceira idade, onde os eflúvios da paixão se misturam à análise fria e lúcida da situação financeira, familiar e de saúde de cada um dos envolvidos.

Como Neuza foi separada, depois viúva, ao aposentar-se teve o tempo e a vida ao seu dispor.

Voltou à cidadezinha onde cresceu e havia saído após casar-se. Foi como quem visita um tempo, tão distante, que quase não se reconhece nele.  Mas a sua origem estava ali, a pegou pelas mãos e Neuza encontrou uma nobre ocupação. Ajudar e revezar o cuidado com a única irmã que nunca deixou de morar ali na casa da família, a Beth, no atendimento da mãe idosa.

Resolveu ficar.

A novidade espalhou-se. Vieram as amigas da mãe, as antigas colegas, mocinhas na mesma época dela, e por viuvez ou separação voltavam para o lugar de onde saíram. Aprareceram também os ex-paqueras ou namorados, os amigos dos irmãos, enfim, em uma cidade pequena um forasteiro é uma novidade, mas uma antiga moradora é um evento! Principalmente para os que viveram a infância e juventude na mesma época. A casa voltou a ser animada, sua mãe sentiu voltar o vigor em seu maltratado corpo, Beth teve um “refresco” no cuidado com a mãe e assim estavam os dias. 

Entre os “rapazes”todos eram amigos entre si e trocavam suas impressões sobre a Neuza, que havia sido até rainha do baile da primavera quando jovem. 

E foi um tal de passar para dar um oi para a sua mãe, a D. Biquinha, ou tomar um café para relembrar os velhos tempos, uma desculpa ou outra e lá estavam entrando ou saindo os antigos jovens da cidade, hoje cada um com sua cota de lamúria, aposentado ou fazendo bico para completar a renda, uns morando com filhos, outros sozinhos. O tempo havia passado para todos. Só não passava a camaradagem e forma de viver das cidades pequenas.

Neuza era simpática, falante e se dava bem com todos.

Entre as visitas, teve um que tomou uma atitude estranha.

Fernando, um dos antigos rapazes da época de Neuza trouxe uma caixinha de chá e foi falando:

— Neuza, vou deixar aqui e passo para dar bom dia e tomar uma xícara de chá com vocês, tá bom?

Ela estranhou, mas disse tudo bem.

Durante o dia entre seus afazeres foi lembrando que Fernando era um dos rapazes mais disputados, e que ela nunca deu atenção a ele.

Lembrou-se também que nem ele demonstrava interesse nela.

Beth, sua irmã, achou que matou a charada.

— O que Fernando está fazendo é flertar com você, Neuza!

— Onde? Nunca me deu bola quando jovem! Bem capaz! E eu nem dei entrada nenhuma, falou com cara de zangada.

— Quem nunca me olhou por mais de cinco segundos, agora quer tomar chá comigo todo dia? Ahhh, mas não mesmo! Você está “viajando.”

Foi para o quarto, e pelo sim, pelo não examinou seu rosto ao espelho e ficou pensativa próxima à janela, olhando sem ver.

Passava em sua mente o período pós viuvez, onde sentiu-se invisível por uns tempos, até retomar o cuidado com a pele, com o corpo e recuperar o sentimento bom de se sentir bonita.

“Enfim, uma paquera é uma paquera, e aqui onde não tem nada de lazer, até seria bom ter uma companhia. Pelo menos ele é amigo dos meus irmãos e podemos ir ao cinema, shoppings nas cidades vizinhas, ter um pouco de atrativo nos meses que pretendo ficar aqui. Não vou me jogar de cabeça, apenas dar uma abertura e ver no que dá.”

E assim se passaram trinta dias. Pelo aplicativo de conversa, Fernando era galanteador e se mostrava muito interessado, mas não passava disso.

Até que em um dia, Neuza falou de forma direta com ele.

— Já não sou mais a menina de antigamente. Eu me casei, você sabe, separei-me depois dos filhos adultos, depois fiquei viúva. Já vivi algumas curtas ilusões, e no momento estou com meu coração livre.

E você, Fernando? Qual a sua real situação? Aqui é uma cidade pequena, você sabe que eu poderia perguntar para uma ou outra pessoa e retiraria a sua ficha em dois tempos. Mas não quero isso.

Gostaria que me falasse honestamente sobre sua vida passada, para que eu conheça o homem que você se tornou. 

Prefiro assim e pode ficar à vontade em se abrir comigo, não estou aqui no papel de julgadora do seu passado. 

Ele reviveu sua vida amorosa, falou dos filhos, todos adultos, gostava da vida noturna, sair com os amigos e viver a surpresa que poderia existir ou não nessa fase de vida; sendo assim, teve uma boa lista de “amigas”, mas todas de pouco tempo.

Namorar mesmo, ter compromisso, foram só a esposa e duas namoradas. 

Já era aposentado, tinha um salário que bancava seu estilo de vida, e conservava os velhos amigos de infância, com os quais ia pescar, sair para dançar ou fazer um churrasco e ficar jogando conversa fora. 

— Neuza, você seria a mulher ideal, estável financeiramente, madura mas ainda bonita, se dá bem com nossos amigos…

Sinceramente, eu penso que faríamos um bom par.

Podíamos namorar, aproveitar o tempo, as alegrias e a felicidade que a vida ainda pode nos reservar.

Fernando parecia muito sincero. Neuza aceitou, pois comungava das mesmas ideias dele.

Só a camaradagem e a amizade já eram certeza de dias felizes.

Ah, os humanos! Uma minúscula promessa de amor incendeia a alma adormecida… Mesmo que o coração se vangloria de ser estéril, um vento anunciando a chuva faz brotar a flor; a solidão já se fez solitude, os amigos preenchem a vida, a amizade é preciosa… mas nada substitui o brilho que o amor tem.

Esse que rejuvenesce o sorriso, a pele, o cabelo e principalmente o olhar de Neuza.

Ela resplandeceu em todos os aspectos depois que aceitou namorar com Fernando, e este, por sua vez, mostrou-se cortês, educado e apaixonado. Por exatos três meses ele se embriagou no olhar onde se via refletido. Até que começou a faltar aos encontros, não atender aos telefonemas de Neuza e passou a ter outros compromissos.

— Durou muito, os amigos disseram quando ele sumiu. 

A princípio, Neuza não acreditou que Fernando havia mudado com ela dessa forma. Depois da surpresa inicial ela resolveu pôr um fim ao namoro.

Mandou um recado por seu irmão para que Fernando atendesse ao telefone. Fernando ouviu calado tudo o que Neuza lhe disse, não se desculpou, não disse sim e nem não, apenas entendeu que o namoro acabou e desapareceu da cidade.

Em pouco tempo, Neuza se recuperou e seguiu vivendo a sua linda história de mulher independente e bem resolvida. Descobriu que o brilho que traz no olhar é seu, e não é reflexo de nenhum espelho. Suas amigas, a quem ela e sua irmã Beth vieram visitar após a morte de sua mãe, e a quem ela estava contando esta história, todas se sentiram representadas por ela.

— Fez bem! Imagine numa época dessas, ser passada para trás, como uma mocinha ingênua. Nem pensar!

Fernando? Voltou com uma antiga namorada. 

Como Narciso segue em busca da sua perfeição imaginária e de quem possa lhe suprir essa ilusão momentânea. 

É a vida, diria o filósofo, é a vida.

03/03/2023

Em “Crônicas”

04/10/2022

Em “Crônicas”

30/11/2022

Em “Crônicas”

O ofício de escrever

Média final

SOBRE O AUTOR 

Maria Elza G. Gonçalves

Maria Elza G. Gonçalves

Maria Elza G. Gonçalves tem 69 anos, é funcionária Pública Aposentada do Estado de MS, é formada em Administração e em Direito, com especialização em Auditoria. Estudou Contabilidade Pública. Fez curso de Jornalismo na Escola do Senado. Foi casada. Tem 4 filhos e 10 netos. Desde 2020 dedicou-se integralmente à escrita. Já lançou 3 livros físicos e um e-book. No momento faz o curso com a Casa do Contista. Mora em Campo Grande-MS.

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18/04/2023

Maria Elza G. Gonçalves

por:  Maria Elza G. Gonçalves

A noite estava chegando e trouxe consigo um ar estranho.

Nada era como sempre foi. Não íamos sentar em nosso banco para o recreio diário.

Todos dentro de casa, jantar cedo e ir deitar. Como se houvesse algo oculto.

— Mas já?

— Sim. E quietinhos, sem uma conversa. Vou levar a lamparina. Não façam nada. Seu pai mandou — disse minha mãe saindo do quarto.

— Ah, então tem mesmo alguma coisa — cochichei com minha irmã.

— Eu notei — ela completou.

Os irmãos adultos estavam conversando e calaram-se quando eu cheguei perto.

— Calem a boca — sentenciou baixinho o irmão do meio.

— O que está acontecendo?

— Nada que é da conta de vocês — falou ríspido.

Aí eu soube, pelo tom da voz, o olhar, a rapidez da resposta, tudo isso me fez concluir: é grave.

Ouvi lá fora, ao lado do quarto, meu pai conversando baixinho por sobre a cerca com o vizinho. Olhei pela fresta. Estavam no escuro. Nem acenderam os cigarros. Fato inédito.

Todos nos recolhemos, bem antes da hora usual.

Os irmãos mais velhos, acostumados a ir sabe-se Deus aonde, nessa noite não saíram.

Mas também não deitaram. Foram para os fundos; cheiro de café, conversa sussurrada; às vezes a voz do meu pai alteava, minha mãe intervinha e a conferencia lá para o lado da cozinha continuava.

Barulho característico de um Jeep passando em frente de casa.

Meus olhos quase não piscavam para eu não ser traída e cair no sono, fixos nos vãos  das paredes por onde entravam nesgas de luzes dos veículos que agora voltavam pela nossa rua. Meus ouvidos atentos. De repente, vozes abafadas na casa do vizinho.

Portão batendo. Do nosso quarto não saía nem um pio. Como a escuridão era total eu sabia apenas de mim. Acordada, ansiosa, temerosa. Do quê? Ignorava. Sabia apenas que algo grandioso ou terrível  fez com que meu pai nos mandasse para a cama, assim que a noite estendeu sua enorme capa sobre o nosso mundo, chamou meus irmãos maiores e minha mãe lá para os fundos, ouviam uma falação chiada num radinho de pilha e o vizinho que era fazendeiro e cujo filho era perfumado e bem arrumado, de alguma forma se igualou a nós.

Sim, estivemos sob o mesmo medo ou incertezas. Embora moradores da mesma rua e vizinhos existia uma enorme distância entre nós.

Éramos pobres, poucas roupas, crianças pequenas, minha mãe costureira, meus irmãos assim como meu pai eram trabalhadores da construção civil. Dormi.

Acordamos e algo havia mudado. As conversas entre os vizinhos não se davam naquela forma antiga, ao se darem bom dia, varrendo as frente das suas casas; eram por sobre a cerca dos fundos.

Recebemos não sei como, um aviso sobre não haver aula naquele dia. E a notícia de que o filho do vizinho havia sido levado para prestar esclarecimentos.

Soubemos que até o padre foi levado e depois devolvido à paróquia.

Nossos professores estavam detidos na sede da Cia pertencente ao exército.

Pouca coisa mais eu me lembro, ou ouvi. Sei que após aquela noite ficamos dias e dias só dentro de casa.

Meu pai ligava a rádio para ouvir os noticiários; aguardava o dia de chegar jornais ou revistas na única banca da cidade e corria para comprar antes que acabassem; e eu soube que o rapaz bonito e bem arrumado, filho do nosso vizinho era um “intelectual“.

Foi quando entendi também que naquele caso foi benéfico para meus irmãos serem considerados apenas “uns ignorantes ajudantes de pedreiro”!

Maria Elza G. Gonçalves

Maria Elza G. Gonçalves

Maria Elza G. Gonçalves tem 69 anos, é funcionária Pública Aposentada do Estado de MS, é formada em Administração e em Direito, com especialização em Auditoria. Estudou Contabilidade Pública. Fez curso de Jornalismo na Escola do Senado. Foi casada. Tem 4 filhos e 10 netos. Desde 2020 dedicou-se integralmente à escrita. Já lançou 3 livros físicos e um e-book. No momento faz o curso com a Casa do Contista. Mora em Campo Grande-MS.

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A cartomante

Ovnis, balões, luzes cortando o céu! Videntes em redes sociais, fazendo lives, marcando hora para podcast. Vivemos em um mundo moderno, alta tecnologia, e mesmo assim o sobrenatural ainda sobrevive.

Tudo isso me fez recordar uma história que conto aqui. Ahhh, em tempo: “No creo em brujas, pero que las hay, las hay” já dizia meu pai. 

Ela morava longe. Estrada de chão, fora do perímetro urbano. Nem por isso Joana desistiu. Com Sara ao seu lado, entrou em uma rua  de areia e o carro rodou. Um menino trepado em uma cerca de arame de uma casinha de madeira, assistiu a tudo e gritou:

— Ei, ei! Por aí não! Tem que seguir o trilheiro, porque aí é certeza que o carro passa.

— Tá, mas e agora? Agora ele já está atravessado.

— Pera aí, eu vou ajudar vocês.

Desceram do carro, sol a pino, enfatiotadas em roupas sociais, bolsas e saltos. 

Joana sentiu o rosto quente da figura ridícula que faziam, mas concentrou-se em ajudar o menino a colocar as tábuas sob os pneus traseiros.

Ele garantiu que se dessem ré sobre as tábuas, era só manobrar para desvirar o carro e seguir pela terra batida, sem mais delongas. 

A destreza com que deu as instruções, mais os apetrechos à mão para as manobras pareceu muito costumeiro ao menino, pensou Joana. Antes que ela completasse seu pensamento, ele foi dizendo: —Me dê uns trocos pela ajuda? Vocês estão indo lá na mãe Luzia, né? Então não abandonem o chão batido e na volta vocês saem pelo lado direito. É só andar duas quadras, entrar na rua onde tem um borracheiro na esquina, mais três quadras, vira à esquerda e pronto: já estão no asfalto!

Boa sorte! E podem acreditar que ela é boa, mesmo!

Joana olhou para Sara e resmungou:

— Que guri intrometido!

Só faltou dar as previsões! Como sabe que estamos indo lá na cartomante?

Sara olhou para sua amiga de aventura. Joana é mais velha que ela, mal casada como ela mesma diz, trabalham juntas; é a pessoa responsável por todo o escritório. Não gosta que a chamem de chefe. Bonita, bem cuidada, perfumada, uma mulher de presença.

Sara, morena, mais jovem, solteira. Tem um enrosco, como ela se refere ao homem que há mais de dez anos some e aparece quando bem entende. Cliente contumaz da cartomante, com quem criou uma relação de dependência. Basta seu homem sumir para ir confirmar com a mãe Luzia se ele não a trocou por outra. E para garantir que voltará, leva champagne, perfume, sabonetes de luxo e coloca aos pés da pomba gira.

Tudo isso ela contou à Joana, quando com seu olho clínico a observou um dia, com grandes manchas de olheiras e um suspirar contínuo. 

— Joana, você está com encosto!

— O quê? 

— Nunca ouviu falar? Encosto, mau olhado, feitiço? 

— Já ouvi , mas eu não mexo com essas coisas.

— Aí é que está. Se não mexe, não se protege. Dá nisso! 

— Nisso, o que?

— Vamos sair. Venha conversar comigo ali fora, perto das plantas, da natureza.

Joana não retrucou. Sentiu-se reconfortada por uma pessoa simples como Sara ter percebido como ela estava e se dispor a ajudá-la. Bem sabia o que vinha passando, mas não saberia a quem abrir seu coração, o que significaria abrir sua vida. 

Ao mesmo tempo, Joana achava todas as suas frustrações tão banais!  Se repreendeu mentalmente por ser tão fantasiosa…

Sentia-se perplexa com o caos que existia em sua mente, a mistura de sonhos e fantasias. Quando adolescente lia os romances pueris, onde os jovens se esbaldam em sua juventude, descobrem entre seus próprios amigos aquele que virá a ser o grande amor de suas vidas; casam-se e  moram em casas perfeitas, com um cão amarelo da raça golden deitado no tapete aos pés do homem de sua vida, enquanto a linda esposa tricota a roupa do bebê ainda inexistente.

Joana tem noção que não está naquele tempo. Eram romances de uma época já passada. O vazio que sente é agora, a urgência em ser feliz é de hoje! 

E por isso ela sente que não será feliz presa ao casamento que está. Sua aflição chama-se indecisão.

Na conversa com Sara, ela ouviu loas à mãe Luzia. O quanto era sábia, quantas vezes trouxe de volta o seu amor, quantas vezes já limpou Sara de energias negativas e por aí foi os elogios.

Joana manteve-se relativamente reservada. Apenas comentou estar passando por um período de reflexões e sensações desconexas e gostaria de encontrar em algum lugar uma resposta ou ajuda.

Sara, sambada nas rodas de mãe Luzia, a convenceu a ir até lá. Eram favas contadas.

— Se bem não fizer, mal também não faz! Vamos!

Esse era o contexto da aventura que estavam vivendo. 

Chegaram. Sara espertamente entrou e conversou com a mãe Luzia.

Esta saiu e recebeu Joana.

— Entre Joana! Você é mais

bonita pessoalmente.

Joana não entendeu porque a  cartomante disse isso. 

P

Maria Elza

Crônica para meu neto

Crônicas para o meu neto.

Eu tenho um neto que me mostrou a força que eu não sabia que tinha…

Nasceu com um problema de saúde. A princípio me assustou…

Mas depois me fortaleceu. 

E essa força não era física…

Era inexplicável…

Era a força do instinto, um instinto que não é o materno, 

Um instinto “vóterno”…

Eu atravessava de um bairro a outro, a pé, para ajudar a cuidá-lo

Me fez “mudar” e acampar na casa dele, para ajudar a cuidá-lo…

Por fim, me fez mudar literalmente de casa, pois eu precisava trazê-lo para mais perto de mim, para ajudar a cuidá-lo.

Porquê? Porque eu acreditava que só eu o acalmava.

Que suas dores e cólicas eram minimizadas só com minhas massagens.

Que meus braços transmitiam um calor anestésico que o fazia dormir. 

Para que sua mãe descansasse um pouco…

E aquele neto , aos um, dois anos, me ensinou o que era resiliência…

O que era determinação, 

O que era amor à organização,

O que era comando…

Aquele bebê, arrumava sua própria mala, escolhia os brinquedos que levaria 

ao hospital; desmanchava a gaveta e jogava as roupas no chão para escolher qual ia levar.

Era uma força em miniatura.

Era uma Graça em forma de criança.

Meu neto cresceu, tornou-se um adolescente e como tal, quase o perdi.

Não por problemas de saúde, pois esses foram todos resolvidos.

Mas para um mundo ao qual eu não pertencia. Um mundo paralelo ao meu.

Um mundo proporcionado talvez por mim mesma. Numa casa, num celular, num carro onde certamente participei da aquisição, como bem material.

Mas do qual eu fiquei de fora, pois eu não conhecia, eu não pertencia.

Não havia diálogos.

Não contávamos  histórias um ao outro.

Não ríamos  juntos.

Eu me perdi dele, ou ele se perdeu de mim? 

Nada disso! Reinventei-me. Aprendi a jogar vídeo game, a ser “descolada”, a saber a linguagem do momento, a navegar na internet, a ouvir podcast, ver streaming, a ser atual.

Ah senhores! Vocês não imaginam a força de uma avó!

Reencontrei a mesma força, o mesmo elo, e o mesmo neto!

Nada estava perdido, pois onde há amor os elos não são rompidos!

Acreditem, as avós são quase eternas! 

Maria Elza

O Peralta

Peralta ( Crônica)

Quando ele chegou era daqueles que não escondiam a origem. Nunca nos enganou. Quando falo assim no plural é por força de expressão, porque eu mesma não me envolvia com essa área. Não tinha tempo, nem interesse e nem paciência.

Mas não havia como ignorá-lo.

Era muito intrometido, andava pela casa toda sem a menor cerimônia, até quando se cansava e ia tirar o seu plácido cochilo.

Devo confessar que essa época foi um período muito difícil para mim. A casa cheia. A sala de jantar, que ficava estrategicamente posicionada, não me deixava escapar das exigências de todos. Se eu viesse pela sala me pegariam lá; se eu saísse do quarto, idem, ao sair da cozinha, também. E ele por ali, circulando livremente! Óbvio que eu o culpava por quase tudo! O marido, os quatro filhos, os dois netos, a empregada e ele. Todos tinham suas necessidades. E só eu era a mãe. Sim, porque todos esperam que a mãe seja onipotente, onipresente, com um estoque infindável de soluções para toda a espécie de problemas ou necessidades.

Enfim! Ele foi crescendo e tento me lembrar das várias etapas desse crescimento, mas sinceramente, não consigo. Tadinho.

Vejam vocês a minha falta de atenção.

Lembro-me de que, às vezes, o alvoroço familiar era tanto, que eu me escondia, ou me fingia de ocupada lá para os fundos. Lá pelo menos havia um cheirinho bom de uma árvore guerreira. Era um pé de canela. E era guerreira, porque sendo grande, a cortavam, coitada. Deixavam só o tronco. Quinze dias depois estavam lá as cheirosas folhinhas verdes. Ela era persistente. E me acalmava.

Ao sair ao quintal, vinha o cheiro bom da canela.

Já a casa por mais que fosse faxinada, nunca parecia limpa, não absorvia o cheiro de limpeza, de alfazema, lavandas, nada. 

Eram tantas diferenças de ladrilhos, de pinturas e remendos, que nada a melhorava.

Vejam vocês quantas lembranças eu tenho!

Mas do crescimento dele não me lembro. Só do tamanho que ficou. Enorme! Incrivelmente alto. Pernalta mesmo! Ele reinava ali na frente da casa, junto aos netos e ao avô deles. Se achava o quinto filho ou o terceiro neto.

Nessa ocasião compramos nosso primeiro carro zero quilômetro. Eu ainda não era segura ao volante, mas naquela manhã eu me aventurei a dirigir o carro novinho em folha de cor vermelha. Até que olhei pelo retrovisor e lá vinha ele correndo, de língua de fora, bem ao lado da porta do carona. Quase morri de vergonha! Que boba que eu era!

Bom, se ele se achava no direito de seguir o carro da família, e não conseguiam segurá-lo, ele se achava no direito de sair correndo atrás de quem quer que passasse sobre rodas em nossa rua.

E nesse vuco-vuco misturado a minha distração, ninguém o corrigiu. E ele só na diversão dele.

Um dia, ao chegar do expediente, notei algo diferente. Olhei o quadro que me era familiar e percebi a tristeza que tomava conta de todos.

Eu gelei ao olhar a cena e conferir mentalmente quem estava faltando. O vazio e o silêncio que reinava naquele pedaço de calçada, outrora tão movimentado, tinha um motivo. 

Só aí eu me dei conta que tanto eu, quanto ele, nos amávamos. 

Aquela mania de querer deitar-se embaixo da cadeira que eu ocupava, o olhar caramelo me acompanhando quando eu saía de casa, a malemolência ao me acompanhar quando eu saía a caminhar… 

Ao nosso jeito meio torto, existia amor entre nós!

Já era tarde.

“Nosso cachorro preto”, pernalta e peralta, chamado Mussum havia sido morto!

Alguém se incomodou com a peraltice dele correr atrás de ciclistas ou distraídos que passavam por nossa calçada. Deram-lhe veneno.

TATIANE

Morro. Só pode ser ela aqui neste quarto. Sinto seu hálito gelado e, em vez de frio, meu corpo derrete-se em suor. Tenho febre. É uma sensação estranha, um tremor interno… A morte está aqui, à espreita, eu sinto.

Tatiana já esteve aqui… olhou-me. Como é triste quando nos olham assim meio de longe, não querendo se aproximar.

Meu suor escorreu dos meus carapinhos brancos e desceu sobre meus olhos. E ela ali nessa proximidade distanciada, não querendo se comprometer. Deve achar que chorei. Há tempos não choro mais.

Não sei qual o ocorrido para seus cabelos ficarem verdes; nas pernas eram meias, eu sei, e os olhos também estavam cheios de tinta verde. Mas até o cabelo?

De todo modo, ela veio. Olhou-me do alto, estava de salto.  Não sei se queria me ver bem ou morto.

Na incerteza e na inutilidade própria, saiu.

Passaram-se os minutos, ouvi a rua se enchendo, o vaivém das pessoas. O que está acontecendo? Que dia será hoje?

Lembrei! É carnaval! É isso! Por isso ela estava verde. Hoje é o Baile Verde! 

Não! Ela não vai ao baile de carnaval e me deixar aqui morrendo. Ou vai?

Talvez mande a Lu aqui.

Ela sempre se aproveita por ser a patroa e manda a  empregada fazer o “serviço sujo”.

E o fato de eu morrer no dia do Baile Verde só pode ser sujeira, ela deve achar.

O relógio do corredor bate; as horas passam, o barulho da rua aumenta. O que estará fazendo Tatiana? Morro… Sei disso…estou nesta cama há meses, estive na cama do hospital outro tanto… nunca me senti assim.

Num escuro amedrontador, pegajoso, vou e volto…Nem Tatiana, nem Lu. Não saíram ainda. Não ouvi os passos descendo as escadas. O barulho da rua aumentou. Devem estar arrumando as fantasias. Isso! Estão arrumando as fantasias. Logo uma delas ou as duas vêm me ver. Fecho os olhos. Um cansaço me abate…”Ó jardineira, por que estás tão triste?”… agora mesmo ela vem me ver.

Ela não vai me deixar morrer sem que eu veja como deve estar linda com sua fantasia do Baile Verde. Ela vai fazer questão de me mostrar.

A minha filha Tatiana

COLCHA DE RETALHOS

 

Tantos eram os seus papéis! Esposa, mãe, sogra, nora, professora, chefe de família, amiga e mentora de todos ali daquele pedaço de mundo.

Um lugar onde a civilização não chegara. Todo seu conhecimento era fruto do seu espirito de observação. Sua sabedoria ocupava seus dias.

De qual lado o Sol nasce? Então era ali que deveriam ser levantadas as paredes com a porta de entrada. Para que pegasse o sol da manhã.

A esposa não queria lavar a roupa do marido? Ela mandava chamar um, depois o outro, e nos dias seguintes ouviam- se os risos do casal harmonizado. A chama do sexo fora reacendido, com as palavras certas ditas por ela ao marido e à mulher.

Criança teimosa? Adolescente preguiçoso? Mulher brigando com sogra, marido não respeitando os dias férteis da esposa já cheia de filhos?  Ela era a grande mãe daquela comunidade. Ensinava as mulheres jovens a cozinhar, admoestava as idosas para não fomentar discórdia com as noras.

Dava aulas de asseio para meninas na puberdade, mandava ensinar a profissão eterna naquele lugar aos meninos. Arar, plantar, conhecer sementes, manejar a terra.

Se percebesse  dois rapazes olhando para a mesma moça, o seu papel era sondar para qual deveria direcionar a donzela e formalizar o compromisso. Determinado dia, haveria na capelinha do local os casamentos comunitários. 

Em seu papel de mulher, cumpria o que era esperado. O seu casamento fora combinado como de costume. Mas a diferença entre ela e o marido era abissal. Sendo assim, ela teve os quatro filhos homens e seguia ainda cumprindo com o papel de mulher sem jamais ter amado seu marido. Este, por sua vez, tinha um apetite voraz por ela. A enchia de perguntas depois do coito., Nao bastasse despir-lhe o corpo, queria desnudar sua alma. Jamais conseguiu.

— Que há no mundo além deste vilarejo? – Ela se perguntava entre o entardecer e a noite, nos seus momentos de descanso.

Logo sua mente voltava para as questões práticas.

– Quando virá algum presbítero para substituir D. Gregório?

– Estamos ha seis meses sem uma celebração profunda. Não devemos deixar as pessoas sem o alimento da alma, refletia. Em sua função de esposa do dono das terras, mandava limpar a capela, tocar o sino aos domingos e ela mesma fazia uma leitura da Palavra e ao seu modo a transmitia a todos os que moravam em suas terras.

Mesmo com tantos afazeres ela sentia falta de uma conversa mais profunda, queria ter com quem trocar idéias e não apenas falar, administrar, corrigir.

Ela era visitada. As mulheres simples da comunidade vinham lhe pedir conselhos, trazer queixas. Mas ela não tinha onde ir. Existia como um abismo respeitoso em relação a sua pessoa. Mulheres riam em seus afazeres, andavam em duplas, a vida apesar do inverno, das dificuldades, de tudo que levavam ao seu conhecimento naquela relação de subalternas, não as faziam tristes ou desanimadas. Ela sentia ser diferente.

Sua sede não era de água. Sua sede era do tamanho do mundo, do que havia no mundo. Os anos passando e só um objetivo traçado. Quando completasse 40 anos, procuraria uma boa moça para tomar como a segunda esposa de seu marido. Eram os costumes. E ultimamente ela vivia para alcançar esse dia.

Ela sentia que deveria tentar fazer mais do que se conformar . Queria se aprofundar em leituras, queria aprender técnicas novas de irrigação, conseguir um método mais moderno de cuidar da terra.

Seu corpo descansaria daquela submissão carnal ao casamento. E nem lhe passava pela cabeça que talvez o seu vazio não fosse de livros, e sim a falta do amor, da paixão, de sentimentos não conhecidos por ela, mas intuídos.

Todas as mulheres do mundo têm um pouco dela dentro de si.

Ou não são amadas como sentem que é o amor ou têm responsabilidades acima de suas forças em manter o casamento, a família.

Ou obedecem ou são julgadas. O que fazer? Falar. Escrever. Sonhar. A cada dia as suas aflições, diz a Palavra.

A mulher tem em si vários universos. É como uma colcha de retalhos. Uma linda, amorosa e colorida colcha de retalhos!

PEDIDO NEGADO

Diana recusou o pedido de casamento. O seu “não”  quase foi gritado, de tão firme.

– Como ela teve coragem? – Lara fala baixinho.

– Cara, ele saiu vermelho e com um jeito de quem estava prestes a chorar.

– Não exagera, Paulo – diz Eduarda.

– Será que ela marcou com ele aqui? No local de trabalho? – -Estranho- diz o Adriano

– Se foi isso, aí então ela não está boa da cabeça – diz Lara. 

Por quê? Essa é a pergunta de todos eles.

Diana era uma mulher independente. Seu viver era o mosaico colorido dos seus papéis. Como estudante, fez mestrado às sextas feiras a partir do meio dia, sábado durante o dia e parte da noite e, aos  domingos até o meio dia.

Era chefe. Chefiava a equipe de uma revista institucional. Reuniões, decisões, pautas, uma loucura saborosa.

Também era mãe. Trabalho ou preocupação em tempo integral, esperava-se disponibilidade para sorvetes, ler gibis e assistir a filmes infantis.

Amiga. Chamadas pelas maiores urgências, novidades, ou só um choppinho 

Se eu seguir descrevendo, vai parecer que a vida de Diana seguiu a receita esperada nas melhores famílias. 

Adolescência singela e feliz, sem nenhum sobressalto , fim da meninice e entrada na vida adulta de uma forma tão natural que não deixou traumas, ou nenhuma marca em sua psiquê.

Uma vida sem temores, dúvidas, tragédias. Bom, ela era tão bem resolvida que até se esquecem que ela ficou viúva bem jovem. Seu marido morreu em um acidente na estrada.

Então, quando ela começou a sair com o representante da sucursal de Belo Horizonte, se acostumaram com o casal e, essa era a razão de todos estarem tão surpresos com a recusa de Diana.

Ainda mais que o fato ocorreu ali no escritório, praticamente diante de todos.

De sua sala, Diana vê que é o assunto principal entre todos e resolve chegar junto ao pessoal.

-Sei que estão curiosos,- Diana diz. Então vamos ao óbvio. – Ninguém tem garantia de nada- ela começa.

— Amor e vida não é uma equação matemática. Somos humanos. Por quê ficaram tão surpresos? Não quero me casar. Júlio sempre soube disso! 

— Mas, Diana – ousa Lara. – Estamos falando de sentimentos. Não somos irracionais como os animais, e só esse fato já nos torna diferentes.

– Sim – diz Diana. Mas essa diferença não garante que um dia não haja no homem um comportamento que possa vir a ferir, ou machucar outro ser humano, seja ele quem for. Eu não pretendia magoar o Júlio. Mas se a única forma de ele entender que não quero me casar nem com ele e nem com ninguém foi eu falando o “não”, tão alto que até vocês ouviram, o que posso fazer? Não quero me casar mais! Eu sempre deixei isso bem claro!

O mundo psíquico dos seres humanos é indecifrável.

Não. Ela não maltratou fisicamente o homem com quem se relacionava. Mas a dor que causou nele ao lhe dizer “não”, foi como uma punhalada. Afinal, estavam juntos há mais de um ano. 

— Diana, quem é você, afinal? – pergunta Lara.

— Eu adoraria responder assim de bate pronto,  e dizer sem o menor pudor: sou uma mulher que ama fazer sexo! Essa resposta os chocaria? Ou então, eu poderia dizer: sou normal, não tem nada de extraordinário em mim. Talvez eu devesse responder de forma enigmática:  essa é uma resposta que vocês não entenderiam.

O burburinho começou a se formar com todos falando ao mesmo tempo, e Diana os interrompe 

— O que vocês não sabem, é que cada resposta tem um pedacinho de mim! Chega de papo! Ao trabalho, a sessão de psicanálise acabou, diz Diana rindo. Saiu girando sobre seus saltos, voltou para sua mesa, dando fim ao intervalo do café.

Na verdade, Diana lutou e venceu muitas batalhas até ter hoje esse perfil de uma mulher de sucesso.

Foi uma composição de fatores que a tornou uma fortaleza como alguns acham, ou uma esfinge, como outros murmuram.

Só ela sabe que, a duras penas, conseguiu sua segurança, sua independência, e o quão forte é a sua certeza:

Ela está bem e pretende se manter onde e como está!

O EMBRULHO

— O que é isso? 

— Não sei. Encontrei aqui na mesa de fora.

— Quando foi?

— Que encontrei? Agorinha, quando terminei de tomar o café e vim dar comida para os gatos.

— Você pegou? É pesado?

— Não. Como eu te falei, acabei de encontrar.

— De quem será?

—Não sei, mas eu queria saber o que é.

— Melhor não.

— É. Melhor, mesmo.

— Então anda. Vamos colocar os uniformes e ir pra escola.

Deixaram, então, o pacote na mesa e foram se arrumar.

Paulo era mais velho. João, o menor, adorava o irmão e não faria nada que ele não aprovasse.

O dia passou, aprenderam coisas novas, leram, ouviram histórias, brincaram, comeram na escola e, à tardezinha, voltaram para casa.

Era uma escola rural. Dessas que existem nos arredores da cidade, que têm a função de atender as crianças cujos pais trabalham nas roças. No caso, os pais dos meninos  tinham roças em comum com o casal de tios mais idosos e experientes. Como ainda eram jovens, os serviços da madrugada eram responsabilidade deles.

Ordenhar vacas, dar milho às galinhas, colher ovos, limpar as pocilgas, molhar a horta, arrumar as verduras para serem levadas à cidade e atividades do tipo. O tio era o homem de negócios. O que comprava e vendia a produção. 

No recreio, João foi até onde estava  Antônio e perguntou: 

— Será que foi o tio que trouxe o embrulho? Mas porque deixou ali na mesa de fora? 

— Não, diz Antonio. Não é papel da venda.Larga mão, João!  À noite vamos saber.

Os meninos voltaram da escola. O horário da janta era sagrado. 

As novidades eram comentadas, as crianças faziam suas tarefas, a mãe limpava a cozinha, o pai ia dedilhar seu violão no alpendre da casa. 

Logo em frente da residência, um enorme pé de marmelo do cerrado era o dormitório dos pássaros, que passavam em revoadas duas ou três vezes, antes de se aquietaram.

Já iam se recolher, quando  Antônio lembrou do embrulho e perguntou pro pai.

— O que é aquele embrulho, pai? 

— Que embrulho?

João correu para buscar e não encontrou nada na mesa.

—Ué, tava aqui.

— Do que você tá falando menino?

— Um embrulho que tava na mesa lá  dos fundos hoje cedo — disse Antônio.

— Tava agora à tarde quando chegamos da escola também — falou João.

— Bom, se não tem nada lá, então não é nada — Decretou o pai indo para o quarto.

João olhou para  Antônio, que olhou para a  mãe, que fez um sinal com a cabeça indicando o quarto e deu por encerrado o assunto.

Os meninos deitaram e conversaram baixinho debaixo das cobertas.

— Antonio, tá perto do Natal? 

— Que Natal, seu bobo! Não vê que mal começaram as aulas?

— Ah, tá.

— Mas você viu, né? Insistiu João.

— Claro que vi!

— E porque eles estão se fazendo de bobos, então?

— Deve ser coisa de gente grande.

— Mas então não vamos saber?

— Sei lá.

João não se conformava. Começou a chorar baixinho. 

Antonio abraçou o irmão e ajeitou o cobertor.

— Dorme, João. Esquece isso.

Passaram-se os meses, chegaram as férias, os meninos brincavam o dia todo, a mãe já não saia mais com o pai nas madrugadas; agora ela ficava em casa, fazia bolos, arroz doce, bordados, costuras. A vida seguia seu curso, até o dia em que ela chamou os meninos e disse pra eles:

— Venham cá que vou contar uma coisa boa!

Eles correram animados até onde estavam os pais, os tios e uma moça da vizinhança que agora ajudava a mãe nos serviços da casa.

— Conta, conta mãe!— Disse João batendo palmas.  

— Espera a mãe falar,  guri!— António ralhou.

Todos sorriam olhando para os meninos , pra não  perder a reação deles.

— Vocês vão ter uma irmãzinha!— anunciou a mãe.

Antes que a notícia terminasse de reverberar na sala, João gritou:

— O embrulho! O embrulho! 

Pulava e abraçava a mãe, por achar que descobriu o que havia no embrulho!

A VÓ DE MARIA

Maria sabe que não é época de vacas gordas. Sabe por saber, ninguém precisa falar. É fácil perceber. O café da manhã é frugal. Maria aprendeu essa palavra e a acha linda! Então ela repete mentalmente : a minha refeição é frugal. E a beleza encontrada nos ensinamentos da aula de português é suficiente para não sentir a fome que sobra após o café da manhã. Aprender, para Maria tem gosto e lhe sustenta o corpo magrelo. Nada muda o fato de ao meio da manhã já estar novamente com fome.

Na escola vai ter leite no recreio. Um leite em pó cujo cheiro forte faz ela apertar as narinas para não sentir náusea ao tomá-lo.Fazer o quê? Assim é a vida, ela sabe. Sabe por saber, ninguém precisa falar.

O almoço é servido pela mãe, direto no prato. Nada de levar travessas à mesa. Para quê? O alimento está como se fosse contado. Tantas colheres de arroz, tantas de feijão, um pedacinho de um legume, carne às vezes. E nem ousa reclamar se ao pai e aos irmãos que trabalham for servido um pouco mais. Todos que trabalham precisam comer mais, ela sabe. Sabe por saber, ninguém precisa falar.

Assim como também ela sabe que nada dura para sempre. Nem época das vacas magras, nem a das vacas gordas. E isso suaviza a vida. A ida à escola tem seu encanto, o grupo voltando a pé para casa conversando e brincando uns com os outros é um oásis, estar em casa com pai, mãe, irmãos e avó tem algumas chateações, mas também tem aconchego, e tudo faz parte da vida, ela sabe. Sabe por saber, ninguém precisa falar.

Maria acredita no estudo. Ela tem fé na vida, nas mudanças que vão vir, no futuro. Aprendeu com sua avó: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. E sua avó sabe de vida. Sabe por saber, ninguém precisou lhe falar.

A avó de Maria já sabe também como se chama o chá com beiju que as crianças tomam de manhã, antes de saírem para a escola: refeição frugal.

E tal qual Maria fica pensando que é um nome bonito para um problema antigo. A falta de alimentos que ocorre nas épocas das vacas magras, por falta de chuvas, por falta de trabalho, por escassez. Bem faz Maria, sua neta, em aprender na escola esses nomes bonitos, ela pensa.

Um dia esse saber vai ajudar a acabar com as fases de pouca comida, porque o nome pode ser bonito, mas a barriga dói igual. Sim, isso vai mudar ela sonha. Sonha em silencio, ninguém precisa saber!

CAPITU MODERNINHA

Capitu bem cedo sabia o que queria. Ela almejava conhecer o amor, conhecer o mundo, viver intensamente. Ahhh, mas filha única como era não seria assim tão fácil esses seus quereres todos. Ela tinha mãe e pai conservadores. Que também tinham seus sonhos! Não que Capitu terminasse o colegial e fosse para a capital estudar, ser uma professora, ou até diretora de uma grande escola. Não! O que os pais dela queriam era que aos dezoito anos ela estivesse noiva de um rapaz bom, um advogado talvez, como era o Dr. Bentinho, filho do Dr.Bento e sua esposa D.Sofia, um casal de prestígio na sociedade local. Se depois o marido lhe permitisse continuar os estudos e fazer carreira como professora, aí já seria sob o “comando” do marido pensava seu pai.

Capitu estava cada dia mais linda, os dezessete anos desabrocharam naquela menina com tal esplendor que não havia na cidade quem não se encantasse e especulasse quem seria o eleito dela. Sim, porque com aqueles olhos de cigana, olhando meio por baixo, de forma oblíqua, como quem não quer se comprometer, mas demonstrando os prazeres que teria quem ela escolhesse, já tinham feito com que  Bentinho tratasse de chegar nela e lhe fazer a corte.  Mas ela ainda não se decidira. Estava encantada com o encanto que causava nos rapazes.

Imagine, ela sorria consigo própria, até o zé ninguém e puxa saco de estimação do Bentinho, o José Dias acha que um dia eu possa olhar para ele! Bom, olhar eu olhei, mas só para me divertir com aquele bocó, pensou Capitu.

Ela continua relembrando desse dia: “Acontece que o Zé Dias, é claro, foi contar ao amigo Bentinho, não é? É bem típico dos mal amados querer disseminar desconfiança naqueles a quem eles amam e invejam, como é ali aquela amizade!.”

“Eu vou é curtir essa fase da minha vida pensa ela. Logo vou fazer dezoito anos e aí acabou a graça. Enquanto Capitu estava se divertindo com o sucesso que fazia, Bentinho foi ficando inquieto e desconfiado de que ela não o levaria a sério. Sendo assim resolveu perguntar a Capitu qual era a verdade. Ela olhara mesmo para o Ze Dias? Ou talvez quisesse mandar um recado a ele, Bentinho?

Ahhh Bentinho! Como você é bobinho! Acha mesmo que Capitu vai entregar a você a verdade, que é dela e só dela? Ainda mais agora que não se sabe de onde ela conseguiu as tais gomas de mascar que estavam na moda lá pela capital e que finalmente chegara ali, naquela cidade?

Capitu agora quando coloca o chiclete na boca, se transforma! Ela imagina quantas coisas mais que esse grande mundo tem para lhe oferecer? Sim, pois se uma bolinha cor de rosa lhe dá tanta satisfação, certamente haveria muitas outras coisas que ela gostaria de experimentar um dia!

Sendo assim, ela masca o chiclete, dá de ombros, arremessa a cabeleira preta para o lado, olha bem para ele e diz:: “Ora Bentinho, por quem me tomas?”

MEU PRÍNCIPE

Adriana, Lidia e Sonia são amigas inseparáveis. Desde a escola primária, vivem grudadas umas nas outras.

– Adriana, pede pra sua mãe deixar você dormir sábado aqui em casa?

— Mas e a Lídia? 

— Ela já confirmou. A avó dela deixou.

— Tá bom, amiga. Vou ver se a convenço.

Com a noite das meninas confirmada, Sônia  pegou o caderno de perguntas e respostas e queria passar a noite descobrindo tudo que pudesse sobre os meninos.

As perguntas eram simples, mas poderiam dar muitas pistas.

— Gosta da sua letra?

— Seu sorvete favorito?

— Cor favorita?

— Qual foi a última coisa que comeu hoje?

Também havia perguntinhas não tão bobas, e essas eram a curiosidade das meninas. Aquelas que dariam uma pista sobre o pensamento dos garotos para a vida futura. 

Nesse tempo onde os jovens eram ainda tão inocentes, há muito ficou para trás. Lidia tornou-se aeromoça e risca os céus desse mundão a bordo dos mais potentes aviões. Segundo  diz, ela mesma proporciona os luxos, as fantasias e o glamour de que tanto gosta.  E ainda provoca as amigas dizendo não trocar  sua vida de solteira por nenhum amor de comerciais de margarina! 

Lídia está em seu terceiro casamento.

Segundo suas próprias palavras, ela não tem preguiça de recomeçar e nem arquiva traumas. Logo parte para outro relacionamento, se o anterior  não deu certo.

A Sónia é uma advogada de sucesso, bonita, tem uma carreira consolidada. Está sempre aguardando um príncipe encantado, mesmo já em seus quarenta e poucos anos. Quando menina,  era a mais interessada no caderno de perguntas.

Sonia idealiza o amor. Ah, o amor. O que dá frio na espinha, o que faz o coração bater descontrolado, o que seca os lábios de nervoso…

Ela sempre acha que encontrou o homem ideal.  Até que o príncipe se revela um sapo.

Sendo a mais romântica, toda vez que inicia um namoro, não demora nada, o homem em questão vai se afastando aos poucos, até chegar na famosa frase: a gente se vê! 

Ela já conhece todas as saídas estratégicas dos homens: a mãe adoece; vai viajar a negócios; não é a hora certa para um relacionamento sério; e por aí vai.

Mas seu sonho não acaba com o fim  do namoro. Seu desejo de um grande amor pra vida toda, esse é o que faz com que ela trabalhe, estude, se arrume, viaje, vá a shows e peças de teatro. 

Em uma noite dessas, ela viu  um homem lindo, de smoking, cabelos grisalhos, tentando manobrar um conversível. Ele ligou, pisou no acelerador para arrancar e o carro morreu. Tentou de novo e nada. 

Sônia se aproximou e perguntou: — Precisa de ajuda? 

Ele apertou os olhos para enxergá-la melhor.

Sônia, os cabelos ruivos cacheados descendo em cascata por seu ombro,  olhava de cima do salto 15 para o carro e para o homem, sem entender bem porquê ele a olhava  admirado.

Teve uma vaga impressão de que já o tinha visto antes . 

Ele estendeu a mão e se apresentou.

—Prazer, Ricardo Jaime.

Ela sorriu e entrou no clima.

— O prazer é meu, Sônia Petra

Ricardo disse:

— Para que lado você vai?

— Ali logo na esquina tomar um táxi.

— Se não se importar, posso acompanhá-la?

— Sim, sim sem problemas

E foram andando e conversando.

Mas em seu íntimo Sônia já tinha decretado: é esse o meu príncipe!

Sorri lembrando-se de um filme lindo onde a moça encontrou o amor de forma idêntica ao que acabara de acontecer!

Quer que eu dirija pra você o seu carro?

Você sabe?

Sim! Ja fui manobrista, ela diz sorrindo.

Então tá! E lhe estende a chave

Ela abre a porta do carona, ele entra.

Ela toma o volante e sai dirigindo maravilhosamente bem! Aumenta a velocidade, olha para ele e pensa consigo mesma:

O príncipe encantado é ele! Sonia fica feliz só em sonhar! Afinal, sonhar não custa nada, ela pensa.

Maria Elza

A CASA DO BBB

Sonho em entrar no BBB. E já me inscrevi, fui entrevistada, a emissora local me deu apoio, fiz o vídeo. Achei que seria chamada. Mas não fui.
O BBB existe há 21 anos. Estou ficando velha. Desde os 30 eu quero ir. Sei o quanto eu ia ser muito querida pelos colegas e pelo público.
Cozinho que é uma beleza, gosto de trabalhar, faço doces, pães, biscoitos. Lavo banheiros, roupas, limpo casa. Já fiz curso de chef, de cabeleireira, de auxiliar de enfermagem. Sou muito boa, mesmo! Eles não iam se arrepender de me por na casa.

Meu nome é nome de santa. Minha mãe me pôs o nome porque era muito devota de Santa Terezinha. Aquela das rosas, não a outra. Então meu nome é Terezinha. Mas me chamam de Terê. Ia ser um tal de Terê pra cá, Terê pra lá. Eu sonho com minha estada lá na casa do BBB.
Eu não ia fazer feio, meu corpo é de falsa magra e tenho uma altura até boa.
Eu esquematizei tudo na minha cabeça. Banho rápido, não quero atrapalhar os outros, nem perder tempo. O dia que eu entrasse, ia fazer trancinhas, assim eu poderia lavar os cabelos, soltar e ficar do jeito que eu gosto. Nem ia disputar cabeleiras com as colegas. Não acho bonito ficar de roupão. Ia levantar e vestir roupa como se eu estivesse aqui fora. Cabeleireiro eu ia pedir só em dia de festa. Outra coisa boa é que sou forte. Já carreguei muita lata d’água na cabeça, cuidei de idoso, fui babá. Todo mundo ia querer fazer parceria nas provas. Nas festas não consigo imaginar como eu seria, tenho dom pra cuidar dos outros, acho que ia cuidar de quem se embebedasse, limpar vômito, tirar de perto de quem tá discutindo, ia tentar apaziguar. E ia dançar muito também! A música entra em meu corpo! Aproveitar, né? Ahhhh, os vestidos de festa eu ia gostar, gente! Gostar muito! Iam cair que nem uma luva em meu corpo. Já falei: falsa magra, minha colega me explicou. Parece magrinha, mas tem peito e bunda. E tenho, mesmo.
Só sei que tenho, mas até me esqueço. O que sei de peito e bunda foi de quando era mocinha, que logo já me meti com um cara que me embuchou de primeira e no fim de cinco ou seis anos me largou com quatro filhos pequenos, desdentada, peito e bunda murchos que só, de tão magra que eu estava.
Mas me recuperei, tratei os dentes, estou bem, Graças a Deus
E de lá pra cá, o que eu mais precisei foi de mãos, pés e pernas pra cortar essa cidade de lado a lado fazendo faxina nas casas das pessoas, pra sustentar os meninos.
De tudo isso eu tive muita sorte de serem meninos. Se fossem meninas eu não ia ficar sossegada de deixar ora na casa de uma ou de outra parente. Agora eles são homens, cada um bonitão e já com mulher e filhas. Hoje eu trabalho pra ajudar eles e as mães a cuidar das minhas netas.

Então vocês já sabem por que eu quero entrar no BBB. Quero uma casa pra mim e uma pra cada filho. Casa simples, mas casa própria. A minha quero que seja cor de rosa.
Igual a rosa da mão de Santa Terezinha. Tenho certeza de que ainda vou entrar e vou escutar muita gente dizendo: a Terê merece ganhar, ganhou a prova do líder porque é forte, ela é gente boa, cozinha bem, ela tem que ganhar!
Ah, vai ser um dia lindo! Bem capaz até de eu chorar, quando abrir o telão e eu ver lá todos os meus filhos, noras e netos! E se alguma patroa minha for, aí sim, minha alegria ia ser completa! Todas elas sabem do meu desejo,a dona Ana, me falou:
— Terê pode se preparar que eu vou lá ver você! Vou na final, claro! Terê, você vai ser a vencedora!
A Eleonora não quis escrever a carta.
— Faz Terê. Igualzinho como ta me falando, passa pro papel esse brilho nos olhos. Eu corrijo e até te ajudo a fazer a inscrição no site. Mas escreve seu sonho, Terê! Vai ficar bonita a tua carta!

Escrevi.

Imagina que elas até cuidam se a TV fala o meu nome!
Eu sei, mesmo ninguém falando, eu sei que todos que me conhecem também esperam junto comigo o dia do meu sonho acontecer!
Ir para a casa do BBB!

PISCINAS VAZIAS

Que tristeza me dá ver as piscinas vazias! Não, elas não são sem águas. São piscinas sem gente! Sem jovens, sem crianças, sem adultos.
Sem risadas, sem nada e sem ninguém! Porque fico triste? Elas estão ali confiadas aos seus cuidadores e estes limpam, filtram, colocam os produtos , e lentamente vão retirando as folhas secas caídas das árvores próximas, um louva-a-deus desavisado, um bichinho afoito pela água e assim vai levando a pá de cabo comprido, num vai e vem caprichoso.
O cuidador de piscinas apenas faz o seu trabalho ou reflete sobre ele?
Não sei. Mas eu reflito.
E penso no sonho de consumo de mais da metade das famílias da minha cidade.
Uma piscina para se refrescar, brincar, curtir, num sábado ou domingo, com os amigos ou com as famílias!
Seria divino ter uma piscina em casa, ou mesmo nas amigas ou vizinhas chegadas.
Crianças acaloradas, cheias de energia e em turmas fariam tchibum com algazarra, gritaria; mergulhariam e sairiam lá à frente.
Brincariam de peixinho, disso, daquilo. Os adultos estariam aos guarda-sóis conversando, rindo. Um sábado ou domingo refaria o ânimo e a energia para enfrentar a semana.
O que aconteceu com as famílias? Onde ficam as crianças? Um dia essas piscinas já viveram risos, correrias e saltos em suas águas? Foram palcos de festas em seus arredores?
Não há como eu saber. Sei o que vejo da minha janela: A Tristeza das Piscinas Vazias!
Limpas. Mas vazias

OLHA O PASSARINHO

As crianças na década de setenta tiveram um ou mais de um, com certeza! Pode ter sido colorido e grande. Pode ter sido retângulo pequeno em preto e branco.

Não era barato. Nem era comum. Era uma oportunidade surgida lá de vez em quando. E quando era de carneiro? Um acontecimento! Vinha o retratista com o animal pintado de vermelho, que puxava uma carrocinha. Colocava-se a criança dentro para tirar a fotografia. Confesso: ficavam lindos!

E a época em que se fazia com cinco ou seis poses em um quadro só:  dedinho na boca, cabelo penteadinho para trás, gravata borboleta, chapéu.

Meninas de laçarote no cabelo, mãozinha debaixo do queixo, olhar para o horizonte…

Outras vezes, era na escola, com a bandeira brasileira na parede e o globo terrestre sobre a mesa.

Não era para qualquer um. Custavam caro. Pobre não fazia.

Ocasionalmente vinham uns que aproveitavam o que já havia e pintavam à mão, copiando e ampliando. Esses então eram quase artistas e caríssimos! 

Como os tempos mudaram! Tudo bem, já se vai meio século. Mesmo assim é uma mudança muito significativa! Em épocas de caras e bocas, de cair de ponte para achar o melhor ângulo de selfie, milhares delas num arquivo de celular, não deixa de ser um salto da humanidade, como disseram da chegada do homem à Lua! 

Os antigos geralmente ficavam nas paredes das salas, em cantinhos organizados, sobre o piano, se na casa houvesse um, sempre em lugar de destaque. E quando chegavam visitas eram mostradas… esta é fulana, aqui foi quando meu irmão chegou da guerra, aqui quando ele entrou para o jardim de infância, aqui quando eles vieram para o Natal. 

Lembro-me de um que foi rigorosamente organizado. Três irmãos soldados. Esse era daqueles pintados. Dificilmente, em razão da idade, estariam os três no quartel. Mas era o orgulho dos meus pais. E quando não concordavam com a pintura copiada? Era o ano todo os senhores de terno e gravata vindo conversar para cobrar e a família resistindo.

Lindos mesmo eram os das madames da sociedade! Enormes! De tinta a óleo. Esses eram poucas pessoas que tinham. As senhoras posavam para os fotógrafos. Para que eles terminassem o retrato tirado na máquina.n

As máquinas tinham seus mistérios, só os fotógrafos as viam; eram aquelas que tinham uma cobertura preta de tecido e eles colocavam a cabeça dentro dessa capa para bater a foto, e espocava a luz intensa do flash. 

Retratos, fotografias, monóculo, binóculo, preto e branco, colorido, com molduras de madeiras, molduras de gesso trabalhado, às vezes, dourados. A arte de parar o tempo! A época do: Olha o passarinho! 

A vontade de eternizar o momento!

Retratos

TRAGA O MATE

Linhas coloridas, brancas, carretéis com formato de cones.  Tesouras que faziam roc, roc ao deslizar nos tecidos mais encorpados, obedecendo o trajeto comandado por aquelas mãos já calejadas.

No chão, caixas para juntar as arestas e retalhos, que ao fim do dia seriam separados para uso futuro ou descartados, como as bandeirolas  multicoloridas ao fim das festas juninas. Carretéis de linhas já vazios eram disputadíssimos pelos meninos. Seriam as rodas dos tratores que puxariam outros objetos, tais como latas de leite ou caixas vazias de chá ou o que a imaginação mandasse. Quanto mais carretéis houvesse, maior seria o “carregamento”. 

Sobre a máquina de costura, alfinetes e agulhas espetados num gatinho feito de tecido e enrodilhado em si mesmo, além de um dedal, fita métrica, giz.

Nas prateleiras enfileiradas em uma parede, havia grandes carretéis de sianinhas, fitas, fechos-éclair, vidros com botões variados que pareciam caramelos.

Um grande espelho bisotado, com moldura escura encostado à parede em  ângulo, onde se podia ver o corpo todo, ficava  sobre um tapete. 

Era uma sala média com inúmeros  objetos interessantes. Mas não era de livre acesso, assim como os outros cômodos da casa. 

Ali era a “oficina de costura” de nossa avó.

Um mundo encantado a que pertenci durante o final da infância e o começo da “meninice”. 

Como eu tinha acesso? Ah, eu era privilegiada por ter desenvolvido uma qualidade ou destreza, eu não sei bem! Ou talvez eu fosse a preferida dela! O que sei é que eu amava aquele universo! Mas a verdade é que eu era uma excelente carregadeira de mate.  Eu aprendera a fazer um bom chimarrão. Sabia que não deveria colocar mais água do que o necessário, senão a erva ficaria nadando na cuia; não poderia ser pouca água, senão o mate já chegaria seco, não poderia ser tão quente que pudesse queimar a boca de quem o tomasse, e nem frio para que não se perdesse a graça de tomá-lo. Encher uma cuia de mate era uma arte!

E durante esse período de tempo em que eu atendia minha avó, meus olhos iam cuidando o que estava indo para as caixas de descartes e eu já separando mentalmente o que me interessaria. Tecidos de florzinhas se sobrepondo aos listrados e estes, por sua vez, misturados aos xadrezes. Um sem número de estampas, cores, texturas.

Eu era premiada em escolher primeiro os retalhos que seriam depois transformados em roupas de bonecas, ou seriam trocados por alguma coisa que outra irmã tivesse. Tudo naquela sala me enchiam os olhos e hoje sinto me aquecer o coração.

Também era uma sala de segredos. 

— Põe mais uns gravetos no fogo e espera a chaleira chiar—Dizia minha avó.

Era como uma senha. Senha para que eu saísse da sala. Algo seria conversado ali que criança não poderia ouvir.

Eu fazia o que ela mandava, saía por uns momentos até que ela chamasse.

— Pode trazer o mate!

Ocasionalmente era uma sala de luto. Chegavam sempre em duas, a viúva e a filha, a mãe e a avó, duas irmãs…Elas não traziam alegrias. Vinham tristes e encolhidas como se estivessem com frio. Minha avó sempre tinha uma palavra de consolo, entre ouvir sobre o ocorrido e anotar detalhes das roupas.  Essas clientes não demoravam. Só o tempo mesmo para tirar as medidas. Nem havia prova. A roupa era aprontada rapidamente e, no outro dia, lá ia um menino entregar as tristes encomendas. 

Era uma sala de festas! Gravidez?

— Olha esta revista, é clássica — dizia minha avó. —— Ah, mas essas já são para o fim da gravidez, agora vou querer este modelo, não acha mamãe?—perguntava a jovem mãe. 

— O que acha? — Perguntava à sogra. A sogra geralmente dizia: você que sabe, querida. 

Nessas ocasiões geralmente vinham as três.

A grávida e as duas avós. Nesse dia não tinha hora certa de mate. A avó dizia que seria só depois que “as visitas” fossem embora.

Por três gerações eu vivi e absorvi a atmosfera desse mundo encantado. Uma sala onde não se costurava apenas roupas!

Encantado por ser um ambiente onde as almas femininas, como as linhas se entrelaçavam e se reconheciam na dor, na tragédia, na doçura e na alegria.

O SEGREDO

Joana estava noiva e com casamento marcado. Morava em uma vila de casas e era  conhecida de todos.

Seu noivo Paulo  viera de fora para trabalhar na fábrica de cimento que havia na cidadezinha próxima.

Era engenheiro de produção. Rapaz fino, de cidade grande, bonito, bem apessoado, um partidão, como falavam as amigas da mãe de Joana.

Eles se conheceram da maneira mais trivial possível. Como engenheiro, ele tinha que usar uma espécie de jaleco com o emblema da firma por cima da sua camisa para ir ao setor de produção da fábrica. Ocorre que lhe deram uniforme maior que o seu tamanho e, ao procurar uma costureira, Paulo chegou à casa da mãe de  Joana.

Ela, na flor dos seus vinte anos, pele de porcelana, boca bem desenhada, cabelos pretos em um corte simples, mas com o charme de uma vasta franjinha. Não havia mesmo como Paulo não se encantar por ela. 

E nas idas e vindas para arrumar os jalecos, os dois passaram a conversar. 

Enquanto a mãe pregava de volta o bolso com a logomarca da empresa, Paulo percebeu os livros na estante e perguntou de quem eram. Joana lhe contou que era uma leitora voraz, que adorava ler, mas infelizmente não tinha com quem trocar ideias e impressões a respeito do que lia; 

Paulo fica surpreso com a desenvoltura de Joana ao lhe falar dos livros e autores.

Assim foi o começo do namoro de ambos: o interesse em comum pelos livros. É óbvio que a literatura sendo um assunto inesgotável trouxe  muita troca entre ambos, até que se perceberam apaixonados. 

A mãe de Joana, feliz com a escolha da filha, não se cansava de o elogiar para as  amigas. Um ano passou rápido. Paulo entrou de férias e viajou para sua cidade. Joana se entristeceu, mas ele lhe garantiu que ao voltar teria boas surpresas. Dito e feito! Antes das férias acabarem, ele telefonou e pediu para falar com a mãe de Joana. 

A senhora o atendeu, sorriu muito, demonstrou alegria com a volta antecipada que ele noticiou e 

despediu-se do futuro genro efusivamente. Claro que passou o telefone para Joana que estava ali e não se aguentava! 

Joana falava com o noivo, suas bochechas rosadas do que ouvia, suspiros disfarçados, afinal sua mãe estava ali por perto. Ah, o amor. Como é lindo o amor correspondido, a ternura cúmplice, a saudade mútua. Dona Ana lembrou-se de sua juventude e com um suspiro saiu da sala para dar tempo aos pombinhos arrulhar um pouco.

Enfim, terminado o telefonema, mãe e filha começaram a tratar os planos da próxima semana, já que Paulo avisara que viria com a mãe dele para conhecer Joana e realizarem o casamento. Não havia porque prolongar o noivado. Já estavam juntos há um ano e o amor e cumplicidade entre Joana e Paulo era a maior certeza das suas vidas. Essa seria uma ocasião festiva. 

O que marca mesmo um casamento é o vestido de noiva, as flores, o véu e a noiva. Dona Ana, no entanto, parecia ter outras preocupações. Passou a sair no meio da tarde para ir falar com o padre, ia mais vezes à casa de sua mãe, avó de Joana, demonstrava uma inquietude disfarçada. Joana, envolta nos próprios preparativos, parecia nada perceber. Os dias passando, Dona Ana mandou retocar a pintura da casa, o jardineiro veio afofar os canteiros de rosas, o caminho de margaridas bem torneado levava ao caramanchão onde seria a cerimônia, os coqueiros imperiais com suas raízes até um metro pintados de branco, as bouganvilles podadas e amarradas em arcos, a grama verdinha e bem aparada, o jardim estava uma maravilha! Montou-se mesas com guarda-sóis para o conforto dos convidados, na cozinha a azáfama com os docinhos e biscoitos que seriam servidos na festa, tudo como Dona Ana a vida inteira sonhara.

O amor entre elas era digno de nota, uma vivia para a outra e o capricho no preparo da festa dava a Joana a dimensão do sonho de sua mãe.

No entanto, ela percebeu as ausências repentinas da mãe, por vezes a pegava olhando ao longe, como se seus  pensamentos não estivessem ali, ou, como se houvesse uma nuvem em seu olhar. 

Os dias foram se aproximando, Paulo chegaria dentro de mais alguns dias, Joana feliz da vida participava das brincadeiras que suas amigas de infância inventaram, a avó de Joana passou a vir mais vezes conversar com Dona Ana,  todas as providências  tomadas, Joana na certeza do seu amor, sequer se preocupava se sua futura sogra poderia não gostar dela. O vestido feito por sua mãe era o sonho de toda noiva: um modelo maravilhoso de cetim, que delineava seu corpo e descia em um corte godê, levemente arredondado em uma pequena cauda, tudo compatível com a beleza e elegância do cenário preparado.

Enfim, Paulo e sua mãe chegaram! Que alegria foi para Joana rever seu noivo e conhecer a sua sogra.

Nada, nem uma sombra estragaria o dia do seu casamento, nem uma nuvem no céu com prenúncio de chuva, nem um vento inesperado para estragar a festa. O dia amanhecera como aqueles dias mágicos com o céu pintado de um azul brilhante, o sol esquentando sem escândalo, as flores voluptuosas se expondo aos olhos de quem as admirasse, e mais do que tudo, o que alegrava Joana é que sua mãe voltara a sorrir. 

Dona Ana, por sua vez, foi do céu ao inferno e voltou em todos os dias dos preparativos ao casamento. Apenas ela, sua mãe, e o padre dividiram a angústia que antecederam o dia do casamento de Joana.

Não, não é verdade que um raio possa cair duas vezes no mesmo lugar. Joana estava se casando com seu noivo Paulo. E ele não faltara à cerimônia do seu casamento!

SONHOS

As colinas faziam parte dos dois sonhos. Na verdade, não eram propriamente colinas. Havia longos trechos planos, algumas pedras ou rochas que formavam os aclives, e novamente a planície.

O proprietário da primeira casa escolhera a parte plana ao fundo do terreno para construir o casarão. Sendo assim, havia uma alameda em suave relevo que levava ao portão principal. O jardim era enorme, o gramado impecável e os canteiros de flores de variadas cores ornamentavam a amplitude e beleza do verde gramado que reinava absoluto desde a casa até o grande portão branco da entrada. Não havia plantas altas que escondessem a visão magnifica do jardim tanto para quem estava no interior da residência, como para quem chegasse ao portão desta. O espaço convidava à contemplação da natureza em seu esplendor , pois não havia fontes, topiaria e nem desenhos geométricos como nos jardins de Versalhes. O cuidado e capricho dos jardineiros fizeram jus ao belo projeto da casa que se via rodeada pela paisagem cheia de flores e plantas compondo de forma natural um maravilhoso conjunto.

A casa era de uma beleza simples com seu telhado ocre, suas paredes brancas e os arcos que formavam uma varanda estreita em toda a sua volta. 

Cozinha, sala de jantar, biblioteca tinham largas portas laterais que abriam para o jardim, e eram de fácil acesso. Os móveis eram escuros,  de madeira nobre e finamente entalhadas com arabescos e flores.

A cozinha lembrava aquelas medievais, com muito cobre nos utensílios que brilhavam pendurados em prateleiras abertas.

A poucos metros dali, um lindo caramanchão com todo o conforto de mesa de chá, poltronas, tapetes e almofadas demonstrava ser um lugar convidativo para reuniões festivas e descansos felizes em uma atmosfera de esplendor e opulência.

Essa foi a visão que tive. Foi tão real que ao voltar pela sala de jantar, passei os dedos para sentir os pequenos tachos metálicos que ornamentavam os espaldares das cadeiras. E senti.

Da outra residência eu não vi o interior. Sei que a porta ficava ao canto e não no meio da construção. Saindo da porta, descia-se alguns degraus e logo uma calçada não muito larga, de pedras, dava continuidade a um caminho ornamentado por plantas assimétricas em toda a sua extensão.

As plantas pareciam ter nascido e se misturado naturalmente, flores vermelhas escuras, azuis, laranjas, amarelas, lírios, desciam serpenteando em volta da alameda de pedra. Quem estivesse descendo pela calçada em declive, e voltasse o olhar para apreciar a residência ou dar adeus a quem o levara à porta, no plano mais alto do terreno teria a visão da bela residência branca, com a porta principal e varias janelas de madeira trabalhadas em um modelo de treliças com arcos, como dos castelos medievais.

Além disso o olhar poderia perder-se no magnífico cenário composto pelo verde do gramado que parecia abraçar aquela residência e era tão perfeito que mais parecia um campo de golfe.

Ao continuar a descida, à direita via-se uma linda pontezinha de madeira, ladeada de arbustos chamados de bambu de jardim e samambaias variadas, em uma profusão de vários tons de verde, digna de um quadro.

Ouvia-se um burburinho e mais adiante estava -se às margens de um riacho de agua cristalina, com múltiplos peixinhos coloridos que passeavam sobre as pedras logo abaixo da superfície. O ar parecia diferente. Acreditei que ali era o Paraíso! Foi tão nítida essa percepção que nem precisei tocar em nada. A magia se encontrava no ar.

M.Elza

A GAROTA, A AVÓ E AS ESTRELAS

— Vovó, olha como o céu tem muitas estrelas hoje!
— Oi?
— O céu, vó! Tá cheinho de estrelas. Tô com medo!
— Medo? Medo de quê, Anita?
— Medo de você, ou a mamãe, ou o Pedrinho virar  estrela e ir morar no céu.
— Anita, de onde você tirou isso?
— Ah, vó, eu sei que quando as “gentes” morrem viram estrelas e moram no céu.
— Eu não estou te entendendo –

— Vou te falar o que é. Às vezes, na escola, tem uma amiga e a gente fica sabendo que a vó, ou a tia, ou uma “gente” daquela amiga morreu. Aí a professora, ou a tia do lanche, fala assim: “Não fica tristinha. Ela virou estrela e foi morar no céu”. Então hoje eu olhei o céu e vi muitas, mas muitas estrelas. Tô com medo, vó, as “gentes” tão virando estrelinhas, então nós também vamos? Por isso a gente não sai mais, não vai na aula, anda com essa máscara, e não tem mais festa de aniversário?É isso, vó? É por causa dessa doença, desse vírus?
— Realmente, você tocou num assunto triste e bonito. Triste porque fala de mortes, e bonito porque fala de estrelas. Mas vou te contar uma história e você vai entender melhor de estrelas e de pessoas
— Oba! –a garota bate palmas!
E a avó começa a história:
– Existia uma cidade onde morava uma garota, e quando ela ia deitar olhava para o céu estrelado e se sentia amiga das estrelas.
Ela não sentia medo, porque o avô dela tinha ensinado uma coisa pra ela.
— O quê, vó?
— Ele contou que tem uma magia entre as pessoas e as estrelas. Elas sempre vão ser amigas.
— Que legal, vó!
Passaram os anos, a menina foi crescendo, tornando-se mocinha e depois uma linda jovem. Já as estrelas, elas brilham, brilham, até que elas explodem em estrelinhas novas chamadas de supernovas. Como se elas estivessem grávidas de muitas novas estrelinhas. Não é bonito imaginar isso?
— Uau, muito bonito!
— Mas ainda não era hora de a estrela brilhar até nascer as novas estrelinhas.
— E aqui na Terra também não era hora dessa moça morrer. Mas o que aconteceu com ela nao era normal. Ela sumiu por uns dias, não estava em seu quarto, não olhava as estrelas.
E a estrela inquieta procurando por sua amiga. Existiam muitas meninas que olhavam estrelas. Mas muitas meninas não significava “a menina”! Nisso chegou o momento de a estrela brilhar muito , explodir e criar as estrelinhas supernovas.
O seu chamado pela menina foi tão forte que aconteceu duas coisas ao mesmo tempo.
Nasceram as estrelinhas e a jovem que sumira por estar doente não voltou para sua casa.
A jovem havia morrido!
Tudo na mesma hora! A estrela sofreu muito, porque aí ela conheceu a dor que era perder alguém. As estrelinhas supernovas ficaram murchinhas, perdidas lá naquele céu grandão, já estavam sem a mãe, que só pensava na garota.
Ela sofria igual gente aqui da Terra sofre quando alguém vira estrela.
– Que triste – disse a garota!
– Não, não se entristeça – falou a idosa. – Calma!
– O que existia entre a estrela e a menina não era amor? Era, você sabe que era.
— E quando existe amor nada acaba!
– Como assim? – Quis saber a garota
– Porque a magia do amor não deixa nada acabar, entendeu?
— Não, diz Anita.
— Vou te explicar, vem cá.

A mãe da garota também ficou muito triste quando ela morreu.
E resolveu fazer um canteiro de flores perto da janela do antigo quarto onde ela dormia.
Uma planta que dava flores e perfumava a noite.
Essa planta representava a garota.
E toda noite ela solta seu perfume e abre suas flores para mostrar a sua beleza e encantar as milhares de estrelinhas supernovas que brilham no céu! — Uau – exclamou a garota! Entendi!
Por causa do amor da garota e da estrela, agora existe uma flor linda e cheirosa que se abre de noite, pra encantar as estrelinhas do céu.
— Isso! O amor não acabou e por isso não existe separação entre quem está na Terra ou quem está no céu!

Então, as pessoas que viram estrelas, as estrelinhas chamadas de supernovas e a magia do amor não deixam tristeza nem separação.
Uma história de amor. Onde nada acaba porque a magia do amor permanece para sempre.
– Gostei – disse a garota batendo palmas.
– Eu também – falou a idosa, eu também!

O CAFÉ

Sabe aquela música brasileira ”Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí”, de Assis Valente, que foi sucesso primeiramente na voz da cantora Carmem Miranda e depois com inúmeros outros artistas? Vocês a conhecem?

Se a resposta for sim, então penso vir à sua mente um tipo de homem cheio de malemolência, daqueles de boa lábia e um conquistador.

Mas o homem que chegou não era assim. Ele demonstra cultura geral, entende de política, não parece um conquistador barato, tem boa aparência e se veste bem. Ele estava sim, com uma camisa listrada quando Diana o viu pela primeira vez, mas dentro de um contexto elegante.

Como era alto, Diana olhou para cima para encará-lo, e algo em seu olhar ela não sabe explicar exatamente o quê, fez ela pensar: ”ainda bem que estou bem”.

Qual afinal era a circunstância onde estavam se conhecendo?

Um novo membro da equipe estava sendo apresentado à Diana. Um funcionário transferido de outra filial. Seu chefe a chamou na sala e apresentou o rapaz.

Num primeiro momento, sobressai nele sua altura, sua elegância, e seu olhar indireto.

Isso já deveria bastar para acender um alerta em uma chefe mulher, porque o mundo ainda é machista, quer queiramos ou não. E Diana sendo casada, sentia-se desnorteada com uma espécie de clima, um constrangimento difuso, entre eles.

Foram apresentados, conversaram sobre o esperado ali naquele setor e tudo foi ajustado.

Os dias se passaram, a quase rotina se estabeleceu, todos no convívio natural de uma equipe de vendas, com Diana como chefe e Douglas, o novato, se mantendo distante e discreto.

Estaria ele sorrateiramente a observando? Perceberia, talvez, que ela não se sentia à vontade com ele? Ela perdia a naturalidade e praticamente não lhe cobrava meta, ou o  horário, ou a displicência que ele demonstrava em conhecer o trabalho?

Os dias passaram e em uma sexta-feira, Douglas não sai cedo como costumava fazer. Não há como descrever detalhes, o clima era pura eletricidade, Douglas aproxima-se de Diana e beijam-se apaixonadamente! Um beijo desejado por ambos, essa era a única verdade. 

E o beijo foi exatamente como ela lera nos romances: sentiu-se flutuar, sua alma fundiu-se com a alma de Douglas, as tais borboletas revoavam não só em seu estômago, mas em todo o seu corpo e, quando afinal ele a soltou, um suspiro mútuo selou aquele momento.

Douglas a olhou bem nos olhos e falou: você deveria se chamar Diana dos Santos Souza e saiu. Souza era o sobrenome dele!

Na segunda-feira seguinte Diana recebeu um memorando informando-a que Douglas pediu transferência de setor. Ele simplesmente evaporou-se , desapareceu. 

Trinta anos se passaram. Não houve convívio, não houve amizade, só pequenas manifestações sociais sem profundidade entre Diana e Douglas, durante todo esse tempo. Por diversas vezes tanto ela como ele tentaram um relacionamento cordial um com o outro e, em todas as tentativas a “amizade” não progredia. Profundos eram os sonhos que perturbavam o sono de Diana, profundo eram os pensamentos e as perguntas para si mesma. Dizem que onde nasce um grande amor, não nasce uma amizade. Ou estaria ela confundindo com uma letra de música? Não, ela realmente não sabia e já desistira de tentar entender o que se passara  entre eles

E agora, Diana com 56 anos, assim do nada recebe um telefonema:

— Oi, tudo bem?

— É o Douglas

— Douglas? 

— Sim! O que voce tem feito? Como voce  esta? 

— Diana automaticamente vai respondendo, em uma conversa constrangida, quase sem sentido, ate que ele diz: 

—Você aceitaria tomar um café comigo?

—Estou desmontando a minha casa e tenho muitos livros, CDs e DVDs dos quais estou me desfazendo e como são objetos de estimação, resolvi fazer uma espécie de queima de estoques entre os amigos,  a preços módicos.

— Quer vir dar uma olhada e aí a gente toma um café, pode ser?

Oi? É isso mesmo? Sem mais nem menos? Diana consegue disfarçar a surpresa e diz:

— Sim, vamos marcar!

Como se fossem amigos de longa data, o que não eram! Como se fossem colegas que não se falavam há tempos, o que também não eram!

Como se não tivessem se chamuscado ou torrado em um beijo voraz e passageiro ha trinta anos atrás? 

Como se ele não tivesse fugido ou evitado o que poderia, com certeza, acontecer entre eles?

Estranho, muito estranho, pensa ela, num misto de surpresa e medo. Ou não era medo? Era uma surpresa inquieta, ela diria.

E quanto ao convite para o café? Diana não tinha dito sim, nem talvez. Apenas disse: a gente marca.

Ela estava longe, em outra cidade e só voltaria ao final do ano. Mas não contou isso a Douglas. E vez ou outra ele entrava em contato com ela pelas redes sociais, conversava e reforçava a tal história do “brechó” de desapego dos seus livros, etc…

Diana já tinha tido sua dose de dor e amargura há muitos anos e não se arriscaria novamente, sob nenhuma hipótese, pensava ela.

Mas o coração não tem consonância com o cérebro, todos sabem disso.O que ela pensava não condizia com seus batimentos cardíacos quando via o nome de Douglas num recado de watts.

Não, não era possível que Diana tivesse esquecido tudo que passara há anos! A mistura de sentimentos, o emagrecimento, a desconfiança dos colegas, o ciúme de seu marido e principalmente a pergunta: por quê?

Qual foi a razão da fuga de Douglas? A quem ele quis preservar? Ele próprio ou ela? Sim, porque Diana acreditava que aquele beijo foi dado como para tirar uma prova. Uma prova perdida, talvez?

Mas havia três mil quilômetros e ainda dois meses de distância entre eles. As mensagens de Douglas não eram diárias nem muito frequentes, mas ele não deixava de relembrar Diana, do seu convite para o café.

Diante disso Diana se animou e fez uma brincadeira com ele: 

— Eu já estou como a raposa do livro Pequeno Príncipe: ansiando por esse café! E recitou baixinho:

“Se você chegar às quatro, as três começarei a ser feliz!”

Vejam vocês como era fácil de Diana se enredar novamente!

Douglas não a corrigia, não dizia:—Não, não é isso que você está pensando! Seria demais Diana esperar isso dele. Seria sim…

Enfim, o café.

De dentro da cafeteria uma senhora observa um carro estacionar e dele desce um senhor alto de cabelos grisalhos. De moletom e tênis, mancando levemente.

Era Douglas. O coração de Diana parecia que ia sair correndo, tão fortes eram as suas batidas. Ela respira fundo e se recompõe. Anos de yoga, anos de análise, afinal tem o seu valor.

Seria um café significativo, pelo que consta, pois ao comentar ter desmanchado  sua casa e estar se desfazendo de livros, CDs, DVDs, Douglas praticamente a estava convidando para saber de sua vida, de seus planos.

Diana, apesar dos anos passados, ainda era uma mulher bonita, mas não deixou de ficar dias e dias pensando se lhe faria bem esse encontro. A paz duramente conquistada, a vida tranquila lhe eram extremamente caros, mas a curiosidade falou mais alto e ela se esmerou ao se preparar para ir ao encontro de Douglas.

Douglas fala e fala, ela o ouve, faz um ou outro comentário, vai bebericando seu café e observando aquele homem idoso, querendo encontrar nele o jovem por quem se apaixonara. Um idoso e com cheiro de remédio, pensa ela, com tristeza.

Em uma manhã ele colocou em dia sua vida passada, sua vida atual e seus planos futuros. Agora, passados três horas de conversa, parecia desarmado, esvaziado talvez.

Como mais ele que falara, Diana teve a impressão de ele próprio querer se convencer da sua história.

Será? Pensou Diana. Ela se manteve como quando se preparou para ir vê-lo. Com suas reservas e muralhas bem presentes. 

E você, perguntou a Diana? O que tem feito? Diana lhe contou ter comprado outra casa, morava sozinha, mas era vizinha de sua filha, ainda trabalhava e estava bem. Ele perguntou: você acha ser essa a sua moradia definitiva? Ou ainda não é a casa que você sonha? Ela sequer gaguejou para responder que sentia não ser a última.

Por quê? Se ela nem pensara nisso? Por que respostas sem filtros saem assim, do fundo da alma? Porque embora ela estivesse com sua carapaça bem ajustada, nalgum ponto fraco o antigo amor teria achado uma brecha?

Diana rapidamente pegou sua bolsa e disse que iria embora, era quase hora do almoço e tinha outro compromisso. Douglas lhe agradeceu por ter ido e por ter comprado alguns itens.

Ao saírem para o portão, Diana num impulso o convidou para jantar “qualquer dia desses”num restaurante novo que tinha uns filés ótimos! Douglas assentiu e disse: vamos sim!

O que aconteceu ali, naquele exato momento? Foi como se uma rajada de vento varresse o clima amigável e quase íntimo em que terminaram a manhã!

Diana o assustou? Nunca se saberá! Eles se despediram com beijinhos na face, quando Diana queria era estreitá-lo num abraço, um abraço fraterno que fosse, um abraço de despedida  talvez.

Mas tanto Diana quanto Douglas já estavam vestidos dos seus personagens, cada qual com suas lembranças, dúvidas e certezas.

Sendo assim nada aconteceu daquele insistente café!

Mas como todos sabemos, nem em todos os romances acontece o final Felizes para Sempre!

Um quase abraço, um jantar que não aconteceu, um final do que nunca houve, um amor desmedido, uma paixão insensata.

A história de amor de Douglas e Diana.

O café já esfriou.

F I M

DUAS VIDAS

 A história de um homem que lê um romance nos leva a indagar: quais são os limites entre a realidade e a ficção?

Sim, porque deve haver esse limite! João tendo trabalho, esposa, filho,  contas a pagar, mãe a visitar, futebol para jogar aos sábados, e todas as minudências que se entrelaçam e fazem o cotidiano.

Sendo assim  seria capaz de viver totalmente a realidade da vida, ou, ao contrário, andaria com a cabeça nas nuvens dialogando altos  papos com os personagens dos romances que lê? 

João é ajudante de marceneiro. Seu trabalho é colar, cortar, pregar. Um trabalho concreto, do ponto de vista mental. 

Ele tem o hábito de ler romances de bolso. Nem lembra quando começou mas aqueles pequenos livretos trazem para a sua vida, os bangue-bangues, os espiões, as luxúrias das mulheres sem pudores, os conflitos entre os poderosos e tantos outros universos diferentes daquele em que ele vive!

Além disso, por serem de bolso, podem ser lidos em pé, ou quando João aguarda o ônibus encostado no muro, ou no banheiro, não há empecilho para que João mergulhe em um outro mundo, várias vezes ao dia. 

O mundo da ficção o rouba do mundo real. 

Quando ao meio dia, com o triste prato nas mãos almoça no alpendre, o corpo mal alinhado na cadeira, mastigando pela força do hábito o seu arroz com feijão, sua mente frenética está  relembrando  e analisando as peripécias do marido indolente ou as fofocas das esposas entediadas do romance que está lendo.

Esse mundo é só dele.

Sua face, ah, esta é de Maria, sua mulher, de Joãozinho, seu filho, dos colegas, da mãe, das pessoas ao seu redor. Ele está ali, de corpo presente e mente ausente. 

Distrai-se relembrando  o gatinho sapeca que pertencia ao garoto da história e sorri, ou dá  asas à imaginação tentando descobrir se a protagonista vai trair seu marido;  ou se o diretor de filmes vai mesmo produzir e lançar ao sucesso a jovem atriz com quem está  flertando. E nessas horas suas sobrancelhas falam por ele.

Só ele não percebe o quão transparente é!

Mesmo assim, quando a luz do dia se esvai, Maria, sua mulher, não sabe identificar se João realmente está  cansado e por isso quer se deitar mais cedo ou se quer ficar a sós com sua vida submersa.

A real, a verdadeira vida, essa corre  frouxa, o jardim cheio de carrapichos, mais uma ninhada de gatos nascendo, as calças do filho com a barra  lá nos tornozelos, a natureza modifica os dias, o sol quente do verão dá  lugar ao céu azul que prenuncia o outono, Maria já levou o filho três vezes ao parque de diversões e sempre sozinha, como se não tivesse marido e assim passa a vida.

Até que Maria cansada da mesmice, olha-se ao espelho e resolve não merecer aquela vida. Há dias ela tinha uma decisão a ser tomada.

Assim que João sai para o trabalho e Joãozinho para a escola Maria dirige-se apressadamente para os arredores da cidade. 

— Sem preâmbulos ela se aproxima do parque de diversões, cujas peças estão sendo desmontadas e colocadas em um caminhão. 

— José, José, já resolvi. Vou 

para onde você quiser! 

— E o menino?

— O pai vai cuidar. Fica tranquilo, isso é tudo que João precisa, diz Maria ficando na ponta dos pés para receber o beijo de José.

UM VIVA AOS DEZESSETE!

Vinham todos juntos. Moravam para o mesmo lado e estudavam na mesma escola. O grupo era composto de oito adolescentes. Cidade do interior é assim. Vizinhos são colegas, amigos são vizinhos. Mãe é comadre de outra mãe, pais trabalham na mesma companhia, a vida é coletiva.

Mas o grupo não era homogêneo. Havia os sub-grupos, ou duplas, trios, cujas afinidades eram particulares, dentro do todo.

Exceto João. Ele era unanimidade. Pertencia ao grupo. Era requisitado e bem relacionado com cada um dos colegas.

Até o dia que o João se descobriu ciumento da Ana. Assim, do nada, ele fechava a cara quando a Ana ficava em dupla com o Antonio, conversando animadamente ou rindo com ele.

Pedro chegou ao lado dele e perguntou: O que foi?

João gesticulava, passava a mão no rosto, fazia sinais repetidos mostrando que era todo dia, todo dia.

Pedro pediu calma a João. Chegaram à escola e cada um entrou em sua sala de aula. No recreio poderiam ficar juntos ou não.

Ao termino da tarde, eles desciam todos para o mesmo lado da cidade.

Sabedor que seria dessa forma, Pedro aproveitou o intervalo para continuar a sós a conversa com João.

Este estava isolado no pátio da escola, caminhando e chutando as pedrinhas que separavam os canteiros da calçada. Cabisbaixo, andava e chutava, como se falasse sozinho.

Pedro chegou ao seu lado e começou a falar, logo indagando de João

— Está com ciúmes de Antonio?

— Mas por quê? Alguma vez Ana te deu a entender alguma coisa que não fosse amizade?

— Ou vocês já tiveram algo? Fez sinal com os polegares em formato de coração.

Levou as mãos à boca e beijou o dorso. Abaixou-se e rabiscou com os dedos na terra. Levantou e raivoso jogou a pedrinha que pegara no chão.

Pedro parecia querer tirar uma resposta de João a qualquer custo e se demonstrava furioso e com pressa em saber.

A inflexão da sua voz, a urgência das perguntas, a sua falta de sutileza, a sua maneira de falar, tudo não condizia com o que poderia ser um apoio a João.

Estranha essa posição de Pedro. Como se o acontecido tivesse passado por cima da sua autoridade. Mas que autoridade? Sobre Ana ou sobre João?

Ou haveria outros pequenos poderes entre os integrantes do grupo e estes haviam sido violados?

Aquele era o ultimo ano do segundo grau. Logo o ano letivo acabaria e o grupo se desfaria.

E foi o que aconteceu. Anos de convívio, sonhos, camaradagem ficaram para trás no tempo e no espaço.

Tornou-se uma lenda um quase namoro entre Antonio e Ana.

Ou Entre Ana e João.

Faziam também especulações se Pedro tivera um interesse em João.

Eram tantas as possibilidades!

Jovens!

O amor, os pensamentos, a doçura e a poesia do amor misturados com a juventude e a inocência.

Quando os sentimentos são mais importantes de tudo que é dito ou não dito!

Como diz o poema de Violeta Parra

Viver a los dezessiete

Lo que puede el sentimiento

No lo ha podido el saber

Ni el más claro proceder

Ni el más ancho pensamiento

Todo lo cambia el momento

Cual mago condescendiente

Nos aleja dulcemente

De rencores y violencias

Solo el amor con su ciencia

Nos vuelve tan inocentes!

NELSON ÀS AVESSAS

— Oi, vai desocupar?

— A vaga? Sim, só um minutinho.

Logo chega um garotinho e entra no carro de Diana.

O carro do rapaz estava com o pisca alerta ligado, ele afasta-se um pouco para que ela possa sair.

Ela dá um tchauzinho e arranca com o carro. Não sem antes olhar pelo retrovisor e reparar bem no modelo e cor do veículo.

Ah, pensa ela, o que é bonito é para ser olhado!

— Bom dia! — Diana está pegando pão no balcão e volta-se para olhar quem era.

Ele. O rapaz do carro.

— Bom dia. Parece que gostamos do pão fresquinho, não é?

Ela sorri e vai para o carro.

Desta vez é ele que sai até a porta e fica olhando ela sair com o carro. Diana está curtindo a situação.

— Lídia, tudo bem?

— Tudo amiga, e você?

— Lidia, me diz uma coisa: você assistiu àquele seriado chamado a Engraçadinha?

— Claro, amiga! Quem não ficou ate as dez horas esperando pelo horário que o seriado ia passar?

Era tanta expectativa, não sei se de um conto de Nelson Rodrigues, ou se era baseado em alguma obra dele e tal.

— Por quê?

— Menina, eu estou num tesão que estou me sentindo a própria Engraçadinha!

— Ahahah, não me diga! Mas você tá falando dela na segunda fase? Porque tem ela mocinha ainda. E depois ela já na faixa dos trinta e poucos. Como você, né dona Diana?

— Lidia do céu! O que é isso? Serão os hormônios? Não sei não, mas eu te falo: estou por um triz pra sair com um rapaz de uns 20 anos, lindo, moreno, sensual e que tem me dado umas olhadas que eu chego a amolecer as pernas, só de imaginar a pegada.

— Caracas Diana! Tá desse jeito? E aquele seu conservadorismo todo? Não foi você que detonou a pobre da Carmem, quando o marido dela descobriu que ela estava tendo um caso com o mecânico?

— Lidia por isso estou te ligando… para você me por um pouco de juízo ou clareza nas ideias!Parece que eu não sou mais eu. Meu corpo é só instinto, desejo, luxuria. Faz tanto tempo que não tenho mais isso! Pensei que eu estivesse morta para os prazeres da carne, mas não! Nunca me senti mais viva!

— E o Pedro?

— Que tem o Pedro?

— Sei não Diana… dizem que mulher solta cheiros, uns tais de feromônios. E que homem tem faro e percebe quando ela tá traindo ou querendo trair. Sei lá.

— Não, Lidia. O Pedro é tranquilo. Não tem interesse, não tem ciúme, só mesmo o trivial, de quinze em quinze dias, para cumprir tabela. Lembra quando as meninas da faculdade falavam que não devíamos namorar os melhores da sala? Quem é muito estudioso, não curte sexo.

— Só você, Diana, pra me lembrar dessa fala das meninas!

— Olha, amiga, não vai adiantar eu te falar nada. Mas não me deixa de fora das novidades, tá bom?

— Ah não! Já vai desligar, Lidia? Poxaaa.

— Tenho horário, amiga. Amanhã conversamos mais, tá bom?

— Ok!

***

— Oi, Diana! Tá sumida. O que anda fazendo?

— Oi, Lidia! Andei ocupada. Vamos tomar um café?

— Vamos.

 

— E então amiga? Quais são as novidades?

— Amiga, andei revendo um filme que era um fetiche meu. Daí peguei um livro enorme e fui reler algumas partes… Bom, posso te dizer que o livro foi um impacto tão forte em mim, que parece que eu despertei de uma letargia, não foi nem sonho, nem pesadelo. Era como se eu não estivesse presente… como se eu voltasse de algum lugar dentro da minha mente, onde eu não me reconhecia.

— Vou resumir: voltei a ser quem sempre fui, estou feliz, adoro minha vida e até passei a frequentar as novenas das quartas-feiras, com minha mãe. Depois saímos, tomamos um café, eu a deixo em casa e vou leve e feliz para a minha.

— Estou bem, Lídia, como se eu tivesse achado o meu lugar certinho no mundo.

— Você? Sempre tão inquieta, tão curiosa…Não acredito. — E aquele gato? Aquela situação toda que você me contou?

— Ah, amiga… foi como eu te falei. Eu me equivoquei. —— Achei que precisava por um pouco de ação em minha vida. Que seria capaz de viver um romancezinho banal, só pelo prazer da mentira, do oculto.

— Aí eu olhava pro Pedro, tão lindo, tão ocupado com seus processos, tão gente boa…Comecei a repensar a minha vida. Resolvi fazer um “estudo de caso”.

— Peguei aqueles filmes bem pornôs, assistia e ficava com uma espécie de ressaca moral. Outros eu me enojava. Outros eu achava tão sórdidos que eu parava de assistir. Fui tendo uma overdose de personagens promíscuos, vadios, sem moral, sem escrúpulos.

— E ai? — Aí revi o filme que mexia muito com minha imaginação. Um romance quente, incrível, sexy, assistido há uns quinze anos atrás, e desde então eu o acariciava como um sonho a ser realizado.

— Ah, até já sei qual é. Você já tinha me falado desse filme. É o Ladrão de Corações, não é?

— Esse mesmo!

— E aí? Aí que eu pude colocar os personagens reais no enredo e não gostei do que poderia acontecer…

— Nossa! Você foi fundo mesmo em sua dúvida!

— E que mais?

— O livro. Desse nem vou falar. Só pelo nome você vai saber: Madame Bovary. Lembra quando o lemos para o trabalho de Literatura? A polemica que deu? Era a sociedade repressora? Ela seria uma mulher que obedecia aos seus instintos mais primitivos? A forma como ela foi descrita, a crueza como a sociedade a julgou, o seu fim melancólico, tudo calou fundo em minha alma.

— Sabe por quê?

— Descobri que não sou nem a engraçadinha e nem a bonitinha mas ordinária. Ainda sobrava em mim a característica juvenil de querer infringir, sei lá.

— Mas não suportei pensar que eu ia engrossar as estatísticas de lares desfeitos, casais de faz de conta, mulheres que traem seus lares, seus filhos, seus maridos. — Foi isso, Lidia!

— Caraca, Diana! Ganhei a aposta!

— Que aposta?

— Que fiz comigo mesma!

— Hahaha! Você ainda tem essa mania Lidia? Só você mesmo

— Vamos amiga?

— Vamos! Embora falar de outras coisas!


O BAILE DE FORMATURA

 

Marta sentia que a cidade era dividida. Geográfica, cultural e socialmente. Esse sentimento ora aflorava com ímpeto, ora era apenas subentendido por ela. Não que ela ficasse segregada a um lado só da cidade. Não! A escola, o clube, a biblioteca, entre outros recintos e departamentos, embora ficassem à direita da vala que separava o tráfego urbano, da estrada estadual, era frequentada pelos jovens, meninos e adultos de ambos os lados. Bem como a feira livre, o hospital municipal, as lojas de ferragens e armazéns que ficavam à esquerda da tal vala. Também eram palco do tráfego, compras, passeios de carros dos garotos mimados dos dois lados da vala divisória. Mas, intimamente, no fundo do seu coração, Marta trazia um sentimento de menos valia por morar no lado menos nobre da cidade, o lado considerado pobre, embora morasse em casa própria, o que era de grande valor para o restante da família. Mas não para ela. Junte-se a isso o numero de filhos que seus pais tinham, o emprego subalterno do pai, o fato de não terem automóvel, nem empregada domestica, entre outras mazelas que ela insistia em enxergar, como o café da manhã simples que tomavam.

Seguidas vezes, quando saíam para ir à igreja, ou clube nas domingueiras, Marta dava um jeito de sair depois de todos, como se não fizesse parte daquela família. Em outras ocasiões, assim que sabia que uma colega da sua rua ganhara um vestido novo, com a desculpa de mostrar o modelo à mãe, pegava a roupa emprestada, e antes mesmo que a dona o usasse, ela ia se exibir para as garotas lá do outro lado. Claro que escondida das próprias amigas da sua rua. Tinha inveja de coisas simples, como uma tiara de cabelo que uma colega ganhasse, se um menino carregasse os cadernos de outra, ou os vizinhos comprassem uma nova TV, tudo era motivo de implicância e maledicência de Marta. A sua alma era digna de dar pena, raiva e até nojo, como dizia, Ana, a irmã menor.

Não que ela não tivesse nenhum momento em que se alegrava. Mas era a alegria solitária dos que leem. Em romances e contos dos livros da biblioteca da escola, ela encontrava um mundo diferente, e ali sentada no sofá de casa, às vezes percebia-se o brilho dos seus olhos, ou um sorriso enlevado ao sonhar com o amor correspondido de um galante herói e uma linda mocinha. Em outras ocasiões ela discorria sobre cenários lindíssimos, praias de areia branca, mansões à beira-mar, jovens ao sol curtindo e vivendo uma vida que ela sabia existir somente através dos livros que lia. Mas a realidade era onde ela vivia e estava prestes a terminar os estudos possíveis. Isso a deixava mais ansiosa e amarga. O que seria da sua vida? Qual o seu futuro? Fim do ano chegando, eventos, aula da saudade, jantares, baile de formaturas, um movimento só, com procura por costureiras, bordadeiras, boleiras e todas as profissões que trabalham nessas ocasiões.

Marta, como aluna formanda, iria na condição de convidada. Como?Ela pensava. Com que roupa? Em qual evento? Sim, porque ela não repetiria vestido. E nessa amargura, ela perdeu dias e dias, pensando, olhando revistas de moda, invejando suas colegas, entristecendo sua mãe que tentava atrai-la com a reforma de um vestido que fora dela, de quando casara. Ou quem sabe com um tecido amarelo clarinho, que poderia dar um lindo vestido de decote princesa e saia godê? “Não”, dizia Marta, “nem pensar!” “Então vamos à costureira ver se ela tem algum tecido guardado de bom preço e escolhemos um modelo mais atual?” “ Não! As meninas já compraram tudo que havia de melhor!”

Seu pai comia em silêncio, levantava-se da cadeira e ia ao alpendre tomar a fresca, até a hora de voltar ao serviço. O comportamento de Marta o tornava pequeno; sem ânimo para argumentar, bradar, ensinar àquela filha mesquinha e egoísta, que existem coisas mais valiosas em um ser humano, do que a roupa que ele veste. Os irmãos, a quem Marta mostrava seu mau gênio aproveitavam para fazer pilhérias com a situação, outros nem ligavam e umas duas tentavam ajudar com palpites e opiniões.

Os dias se passaram, nada fora resolvido. Marta não falou mais em eventos, não lia mais, pouca conversa, enxergava os dias chatos, sem graça, a vida cinza. Enfim chegou o dia do baile de formatura. Os jovens em um frenesi, um encantamento só, esqueciam-se de que lado da cidade moravam, confraternizavam-se, abraçavam-se, contavam qual seria o seu futuro. Uns iriam para a capital do próprio estado, outros iriam para as capitais mais famosas por suas faculdades, uns tentariam Medicina, Engenharia, vários cursos foram lembrados, todos em polvorosa com o famoso futuro, a vida adulta bem ali à frente dos seus olhos brilhantes de alegria e ansiedade boa!

A mestre de cerimonias subiu ao palco e deu inicio ao evento. Para abrir as apresentações, chamou ao palco a professora de Literatura. Ela entrou sob os aplausos de todos, subiu ao palco e iniciou a sua fala:

“Não há discurso que substitua a leitura de uma poesia épica. Como vimos nos estudos clássicos, a poesia épica é um género da literatura em que se celebra uma ação grandiosa e heróica, na qual se exprime um mito coletivo. Isto é o que esta turma me traz como referência! E para melhor exemplificar, chamo ao palco para fazer a leitura de uma das cinco partes do poema Lusíadas, a aluna Marta Vasconcelos.

Fez-se um silêncio no recinto. Distante dali, uma lágrima escorreu dos olhos do pai de Marta.

A LOIRA DO BANHEIRO

 

— Alguma coisa deve ter acontecido com ela no banheiro. 

— Seria no banheiro de casa? Ou no da escola? Talvez no banheiro de uma estação de ônibus. E se era passageira e não olhou o número do próprio ônibus antes de entrar no banheiro?

Na estação, ficam dez ônibus com motoristas impacientes apressando as pessoas para partir.

Aí você entra em um dos ônibus e não vê ninguém conhecido, desce e vai entrando em outros, até que finalmente encontra seu ônibus e senta com uma cara de quem nem estava apavorado com a possibilidade de ser abandonado na estação.

— Pode ter sido nessa ocasião e nesse banheiro que aconteceu alguma coisa com a Loira do Banheiro.

— Também penso que talvez possa ter sido no casamento dela, porque ela está sempre de branco.

— Ou então num hospital, e ela saiu com o lençol branco que a cobria para ir ao Banheiro, onde tudo aconteceu, e por isso ela usa o lençol até hoje.

Dizem que ela gosta muito de banheiros de cinema, de escolas, de parques… Dos lugares onde há mais pessoas, pra que a correria e a gritaria seja bem grande.

— Eu acho que ela precisa de plateia!

— Eu mesma nunca a vi. Mas conheço um monte de meninas e meninos que a viram. Talvez quando eu estudava e ia ao cinema e aos parques, ela ainda não aparecia para ninguém. Não sei.

— O que sei é o apavoramento que ela causava, não há quem a tenha visto que não conte como foi. Uns ficam com tanto medo, que contam pouco, e outros não param de falar de todos os detalhes que se lembram.

— Então, a Loira do Banheiro foi uma lenda urbana que surgiu entre as décadas de 1970 e 1990. Depois ela sumiu.

— Ahh, ia me esquecendo do mais importante: o que dava pavor e medo eram dois chumaços de algodão ensanguentado tapando suas narinas.

— Olha, quer saber? Eu acho que na verdade ela nunca existiu

— É… Pode ser. Na verdade, lembrei-me dessa história quando fui limpar o banheiro do apartamento e encontrei um chumaço de cabelo loiro no cesto de lixo.

— Cabelo loiro no lixo! Sim! Hoje o Antonio vai ter que me contar direitinho que história é essa de Loira do Banheiro. Ah, se vai!

A NOIVA

Lá vem ela! A noiva. Umas vinte pessoas a acompanham. Ela desceu de um ônibus. O noivo desceu também. As pessoas a esperavam ali. E vieram em um cortejo a pé. Ao seu lado, o noivo.

Mas os olhos de todos era para a noiva! Ela era a curiosidade, ela era a estranha, ela era a razão daquele alvoroço todo!

Tadinha da noiva…queria ser uma formiga e sumir no caminho. Nem noiva, nem formiga, nem cortejo.

Na verdade ela queria estar longe, lá em sua casa, dormindo com sua irmã, talvez até de pé sujo!

O que tem de mais? Se depois do banho elas brincassem  de pique esconde, o pé podia estar sujo, sim!

Hoje, ela se dá conta de não lembrar qual calçado cobria o seu pé de noiva…

Mas do restante ela lembra de tudo.

Tudo mesmo! Envolve timidez, vergonha, medo, vestido de noiva, casamento, padre, igreja, padrinhos, pai, irmã, gurizada, ponto de ônibus, viagem.

E o cortejo.O sentimento ou não sentimento ao estar ali, sendo a curiosidade daquele momento: da chegada à casa da mãe do noivo.

As 21:30 da noite, distante 130 quilômetros da sua cidade, da sua casa. Ou melhor, de onde morava com sua família.

Acordara como de costume, em meio ao alvoroço dos irmãos, a mãe, avó, pai, cunhada, sobrinhos em sua casa, em sua cidade, ma sua segurança.

Lá onde as 6:30 da manhã começara aquele dia. O dia do seu casamento. O dia que a casaram.

Mas tudo mudou. Ela não era mais ela. Ela passou a ser a noiva. E em torno dessa nova identidade, foi que ela viveu aquele dia, aqueles acontecimentos.

Tudo correu como o previsto. A sua mente fervilhava. O rosto, impassível, a fala, em monossílabos.

— Bom dia, diz a senhora ao adentrar no portão da casa onde nunca estivera.

É a tia do noivo, com um embrulho nas mãos, do qual tira um vestido cor de rosa com florzinhas de renda, um modelo redingote (quer dizer soltinho).

Da sacola tira um par de sapatos de saltinho.

“Sim! Ela lembrou-se dos sapatos! Eram novos e lhe fizeram calos, agora ela se recorda bem.”

É a roupa com a qual ela vai se casar.

E um terço para mãos de noiva.

Apura-se a noiva, vestem-lhe  o vestido, calçam-lhe os sapatos, sua irmã recolhe seu cabelo num coque meio frouxo, há um frenesi na casa e saem em séquito andando por uma quadra e meia para o cartório.

Sim. Desse jeito. E é tudo tão estranho, seu pai já nem a olha mais,  a tia do noivo toma à frente e fala com a tabeliã;  juntam-se as poucas testemunhas, faz-se a leitura do edital, trocam-se as alianças de mão, colhem-se as assinaturas e pronto: Não há mais noiva! Há uma mulher casada!

Enquanto isso a vizinha esmerou-se em fazer um almoço de casamento, com o que tinha. Mataram o galo. Pois  de um jeito ou outro o almoço saiu, a tia e o tio almoçaram e foram para suas casas. A noite o espetáculo continuaria. Quer dizer, o casamento.

O que faz uma noiva após o almoço enquanto espera a tarde passar para a noite dar continuidade àquele dia que afinal existe? O dia do casamento!

Muita coisa! Todos tem um palpite a dar!

— O quê? Vai casar à noite, na igreja, com o mesmo vestidinho cor de rosa usado pela manhã?

— Cruzes! Custava ter mandado fazer dois vestidos?

— Se mamãe estivesse bem, nunca que ela ia aceitar isso!

Pois bem. Alguém vai  resolver esse problema! Quem? Elas! As mulheres que rodeiam a noiva: a irmã, a cunhada, a amiga.

— Vamos, vamos  lá na loja falar com seu Alfredo!

— Imagina! Mamãe não ia gostar nada de saber que casou no civil e religioso com um vestido só!

Pobre noiva, lá vai ela acompanhando “as meninas”, na loja de  tecidos, tirar medidas e tal.

Feita a negociação, correm em casa da costureira, pedem um modelo bem básico, nada, nem um pouco elaborado, simples, simples, de manguinha, um leve franzido em baixo dos seios, uma cinta que passa e dá um laço grande nas costas. Engraçado que a noiva parecia  representar uma catarse. Como se expiasse?  De todo modo ali existia um significado, porque ninguém  dizia não.

Embora ninguém tivesse um vintém, não diziam nada.

“— Parem com isso, não dá para fazer outro vestido, parem com isso! Gritava a noiva, silenciosamente.”

De todo modo estava saindo o segundo vestido da noiva!

Pois bem. As 18 horas lá estava a noiva, com seu vestidinho branco de laçarote nas costas, cabelos arrumados num rabo  de cavalo, com um véu  sobre a cabeça, um terço nas mãos entrando na igreja para se casar. Entardecer de dezembro. Calor sufocante. Dia ainda, a noiva não se recorda de muita coisa. Tenta lembrar se entrou com seu pai. Não lembra. Tenta se lembrar das palavras do padre. Não lembra. Teve fotos? Não lembra.

Pronto. Acabou a cerimônia. A noiva já se casara duas vezes nesse dia.

Atravessam a rua e vão para o ponto de ônibus. Aguardam o horário, e finalmente a noiva sai dos holofotes. Entra no ônibus e se encolhe no banco. Todos dão adeus, desejam felicidades e voltam para suas casas.

Menos ela. A noiva. Que só quer que aquele dia termine, só quer sua casa, sua cama dividida, fechar os  olhos e dormir.

A noite ainda promete! Eles( a noiva e o noivo) estão quase sós no ônibus, um ou outro passageiro; viagem curta, logo chegarão ao seu destino final, onde estão sendo esperados.

O dia do casamento ainda não acabaria. Ela chora. Chora copiosamente. O noivo? Não sabe porque chora a noiva. Não sabe o que dizer, e nem o que fazer!

Enfim a chegada à  cidade, descer do ônibus, as pessoas estranhas à noiva, o cortejo, os noivos, as pessoas dando risadinhas,  a curiosidade.

Todos em direção à casa da mãe do noivo, que está em completa escuridão. Tão escuro como está a percepção da noiva sobre a dia seguinte, a vida , a ausência dos seus. Tudo para ela é desconhecido e amedrontador, mas ela sabe que tem que seguir e segue.

Ao chegarem lá, as pessoas do cortejo gritam sob uma chuva de arroz cru:

Viva os Noivos, Viva os Noivos!

Acendem-se as luzes e inicia-se uma festa…

O longo dia da noiva ainda não terminara…

O TRAJETO

Cansada, tarde da noite a moça atravessa a pé um triângulo de ruas, para finalmente chegar à avenida onde passa seu ônibus.

Ela sabe que não devia fazer esse trajeto, mas só de pensar em aguardar quarenta minutos em outro coletivo para chegar ao mesmo ponto de ônibus, lhe dá o impulso necessário para,  mesmo que de salto alto, “trotar” por aquelas ruas desertas e cortar caminhos.

Ela evita as calçadas, as árvores frondosas as tornam sombrias, os recipientes de lixo atrapalham, os muros escondem cachorros e os tapumes abrigam desocupados ou bêbados. Sendo assim ela anda, anda e anda batendo seu salto no asfalto. Que emana ainda o mormaço do sol inclemente da tarde.

Evita pensar, ela se abstrai. Seus passos ressoam cadenciados e sua atenção concentra-se em seus pés e em  seus cadernos e bolsa bem presos em um dos braços.

Na realidade, se lhe perguntassem, talvez a moça nem soubesse responder porque escolhera aquele caminho. Chegar vinte minutos antes ou depois em sua casa, não era assim uma questão crucial. Todos estariam dormindo. Ninguém esquentaria o seu jantar, nem lhe massagearia os pés. Não há desconsolo em seu andar, o toc, toc ritmados dos seus saltos é a sinfonia naquela rua ora iluminada, ora escura onde as lâmpadas dos postes estavam queimadas.

As ruas que formam o triângulo juntam-se em um pequeno círculo, com uma estátua inócua ao meio, dois ou três bancos em volta e algumas plantas, em um arremedo de jardim. A partir desse ponto bastaria andar uma quadra e ela chegaria à avenida onde pretendia sentar-se e aguardar sua condução.

Enfim ela chega ao ponto do ônibus, poucos minutos antes do mesmo parar rangendo  os freios e onde só ela embarca. Não há surpresa nem alegria nessa ação. Procura um lugar e senta-se. Ao olhar em volta, rostos desconhecidos a olham. 

Nota a curiosidade dos passageiros, e estes por sua vez também lhe são estranhos. Homens com a barba do dia seguinte já aparecendo, a olham de esguelha procurando descobrir em suas roupas, em seu rosto, em seus modos, que espécie de moça subiria num ponto de ônibus deserto àquela hora da noite. Os cadernos em seus braços não informam nada, nem se é aluna ou professora.

As mulheres com sacolas cheias sabe-se lá do quê, fingem não vê-la, afinal é moça e ainda bonita, parece nada ter em comum, nem mesmo a empatia de ser mulher, como elas. Os rapazes semi-bêbados estão mais interessados em pilhérias uns com os outros.

Por uns instantes ela se desconhece e  esquece o que faz ali, por  aquele não ser o ônibus do seu horário habitual. Tudo por ter resolvido cortar o caminho.

Mas não importa. Não faz a menor diferença. Nem pra ela, nem para o resto do mundo. Recostou-se no banco, fechou os olhos e continuou seu trajeto.

MEDO

Luiz descia a rua assoviando. Mais uma quadra e meia chegaria em sua casa. O bairro era escuro, poucos postes de iluminação, o dia ainda no lusco-fusco do alvorecer. Ele era porteiro de um hospital e estava vindo de seu plantão noturno.

Antes da esquina onde morava, Luiz passou em frente ao que fora uma mercearia, agora abandonada, quando seus pés toparam em alguma coisa grande e, desse tropeço, quase foi ao chão.

Aprumou-se, virou a cabeça  para ver o que era. Como a varanda da antiga mercearia  estivesse na penumbra ele se aproximou mais, para conferir no que havia esbarrado.

Quase desmaiou com o que viu. Deu dois passos para trás, cambaleando colocou as mãos na cabeça, olhou para um lado e para o outro e dirigiu-se rapidamente para um orelhão que ficava na extremidade oposta da calçada.

Luiz acabara de encontrar um corpo!

Um corpo de mulher!

Sem titubear ele ligou para o numero da policia.

As viaturas chegaram buzinando meia hora depois e foi aquele movimento de curiosos, todos com olhares incrédulos.

Jovem, nua, com os braços abertos em formato de cruz, os pés um sobre o outro, como do calvário, amarrados por um pedaço de pano estampado talvez rasgado das próprias vestes da mulher.

Após várias fotos e todos os levantamentos de praxe recolheram o cadáver e Luiz seguiu dentro da viatura.

Durante o dia, a padaria do bairro foi o ponto de encontro onde as noticias eram passadas entre os moradores. Todos eram unanimes em contar que Luiz estava bem e em sua casa. Ele apenas deu seu depoimento e foi orientado a ficar à disposição da policia.

O corpo foi identificado como de uma garota dos arredores que costumava beber em companhia dos homens ate tarde da noite. Dai em diante as historias iam aumentando, mas nada havia de concreto que levasse ao motivo do crime, ou ao criminoso.

O cotidiano se desarruma em ocasiões que fogem à normalidade. Os velhos que faziam das calçadas seu lugar de passar o tempo, enquanto a casa era organizada e o almoço feito, não apareceram; os bebados a quem pouco importa o tempo, mudaram de boteco, as crianças não brincaram pelos arredores, até os cachorros que modorram ao sol, ou transitam e brincam entre si, tudo ficou diferente. O ar da morte é inexplicável. E morte violenta é mais ainda.

Antes que passasse esse período estranho, ou o fato caísse no esquecimento, eis que menos de um mês depois, ao escurecer, uma empregada domestica pedalava sua bicicleta por um atalho, que a faria ganhar tempo para chegar em casa, quando foi vista correndo como doida, até cair desmaiada na porta do primeiro casebre da rua.

Os moradores a ampararam, deram-lhe agua para beber, foram buscar sua bicicleta que ficara jogada, enquanto aguardavam a cor voltar ao seu rosto e ela poder contar o que havia acontecido.

Não precisaram mais esperar! As crianças descabeladas, descalças, sem camisas, moradoras do local, vieram do campinho onde jogavam bola  gritando: “Tem um morto, tem um morto”!

Sim senhores! Um rapaz morto, braços abertos, pés sobrepostos e amarrados, tal qual a mulher que Luiz encontrara dias antes.

Nada se compara ao que aconteceu daí em diante. Televisão, repórteres, jornalistas, mães apavoradas, escolas sem aulas, o pânico se instalou naquela cidadezinha de menos de 20 mil habitantes.

A capital mandou reforço policial, rondas, batidas policiais, toque de recolher, a vida em suspenso, sem aulas nas escolas, a semana perdida

O assassino já tinha uma alcunha: “Defensor da Moral”. Mas ainda faltava ser identificado e preso.

Desta vez o morto fora um rapaz que vivia com a família. Nunca se meteu com drogas, era bom filho e trabalhava na construção civil. Ali mesmo dentro da obra em que era ajudante de pedreiro ele foi morto. Não estava nu, apenas sem camisa. A posição em que foi encontrado não deixava duvidas: fora morto pelo mesmo assassino da jovem de dias atras.

A policia deu batida nas casas, fez interrogatórios, pediu riqueza de detalhes dos prováveis suspeitos.

Quem namorara a moça? Com quem ela vivia? Tinha desafetos? Essas eram as perguntas do primeiro caso. Com o rapaz do segundo caso, como era de apenas 18 anos, as perguntas foram: brigou com alguém? Devia dinheiro? Estivera fora da cidade? Nada! Nenhuma pista.

Passaram-se dois meses e como dizem “viuvo é quem morre”, infelizmente a vida foi voltando ao normal na cidade.

Já não se viam mais tantos policiais, a vida noturna no pequeno quadrilátero igreja, prefeitura, praça, correios voltou a ser ponto de passeio de transeuntes, apenas a mãe do pobre rapaz ainda chorava sua morte.

Quanto a primeira vitima, como  não era  natural da cidade, não despertou tanta comoção.

Não se ouvia mais nada nas rádios, nem televisão, nenhuma notícia.

Mas as investigações estavam adiantadas nos bastidores policiais. Entre o meio já corria a versão de que o assassino seria um  psicopata. Um psicopata! Isso tornava o caso mais amedrontador. Significava que não havia motivo para o crime, qualquer pessoa poderia ser uma vitima em potencial. Outra característica era de que assassinos dessa natureza gostam de ser noticias,  ser lembrados, mostrar a sua esperteza, enfim.

Eis que acontece uma nova morte! Tres meses depois da  primeira jovem, dois meses do segundo caso, sem nenhum suspeito dos crimes, surge o terceiro caso!

Uma estudante de 13 anos! Uma menina!

Deixada na mesma posição dos outros dois, na mata, perto do caminho da escola. Nesse caso, um menino com quem a garota estava vindo da escola e talvez iniciando um namoro viu um homem vindo na direção deles e saíram correndo.

Ela saiu para um lado e ele para outro. Infelizmente a garota foi pega e morta. Mas o jovem que estava com ela viu e deu a  descrição de quem era o assassino.

E isso fez com que ele fosse descoberto.

Dentro de sua casa, mãe trabalhando fora, aos 16 anos a mente de um psicopata havia aflorado.

“psicopatas e sociopatas possuem muitas características em comum. As duas condições resultam em indivíduos imorais, mentirosos, inteligentes e manipuladores, por isso muitas pessoas utilizam os termos como sinônimos”.

Todos na cidade já sabiam quem era o assassino e a causa dos assassinatos. A causa era o seu julgamento moral. Ele julgava e matava. A prostituta, o rapaz solitário, a namorada. Tudo devidamente registrado em um caderno. Um justiceiro da moral e dos bons costumes. Uma mente doente.

Ele foi preso e tirado da cidade. A policia temia pelo seu linchamento.

Luiz foi liberado da restrição de não sair da cidade, assim como  os moradores do subúrbio onde a segunda vitima fora encontrada. O rapazote que estava com a ultima vitima e sua família mudaram-se de lá.

O psicopata, um jovem de 16 anos, em cujo quarto foi encontrado lista de nomes de pessoas, desenhos macabros, livros de exorcismo e mais vários objetos que denunciavam a sua condição mental, hoje atormenta os oficiais de segurança, pessoal da enfermagem, juizes, defensores e todos os profissionais que precisam lidar com ele. As suas ações, o seu olhar e o seu histórico de crimes falam por si.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DOMINGO

 

Sol quente, areia queimando os pés, algazarra, sucos, cervejas, caranguejos sendo quebrados, socados com um martelinho de madeira, numa busca frenética pela carne branca e rija que seriam mergulhados em molho para serem comidos. Na mesa, mais ou menos umas oito pessoas falavam e riam. Era uma alegre e típica família que viera aproveitar um domingo na praia.

“Queijo coalho” ouviam-se ao longe os gritos dos vendedores que caminhavam pela areia  com seus fogareiros, garrafinhas de melaço, saquinhos de orégano, trazendo o queijo coalho, pois já sabiam e reconheciam seus prováveis clientes.

Geralmente onde há crianças a venda é certa! Paravam, balançavam o fogareiro, as fagulhas do fogo se avivavam com o vento, aí com uma destreza só,  eles viravam o palito de queijo entre os dedos e num instante o cheiro bom de queijo assado tomava conta daquele pedaço de praia.

Olha o amendoim, gritava outro, e passava a xicarazinha de amendoim torrado  com três ou quatro amostras  ou então a castanha de caju, que chegava a ser docinha de tão boa, num fundinho de copo de plástico. Vai querer, vai querer? Aí se colocava em um saquinho de papel pardo, o garoto recebia o seu pagamento e seguia seu caminho. Olha o picolé, olha o picolé, gritava outro e ia chegando e juntando a gurizada em volta do carrinho. Além das guloseimas, o espaço também era lugar de venda de bijuterias, cangas, tatuadores de henna, vendedores de camisetas e geralmente brinquedos e novidades que fariam sucesso apenas em um verão, mas que encantava as crianças.

Quase onze horas, lá vinha o menino com o peixe vermelho cru cheio de condimentos, oferecendo aqui e ali, ‘”num instantinho estará assado, esse é só amostra, acompanha a farofa, o vinagrete, vem numa telha ou casca de bananeira, dá para até seis pessoas. Se a senhora quiser podemos trazer uma porção de batatas fritas, até que o peixe fique pronto, mas não deixe de pedir o peixe porque a senhora não vai comer nada igual,” explicava o garoto da barraca acostumado as lidas de vendas e que conhecia bem onde faria sucesso com a sua cantilena.

O desfile de ofertas não tinha fim!

— Esse menino não passou aqui agorinha?

— Perguntou a senhora a sua sobrinha.

— Não, não era esse, aquele foi, esse está vindo—Dissera a menina.

— Tia quantas cervejas a senhora já tomou?

— Ah, mas é praia, e só uma vez ao ano!

— Interveio o tio.

— Que é isso, menina? — Me respeite

Praia? Sim, lá estava o mar em seu balanço, no ir e vir das ondas, ora chegando junto das pessoas, ora voltando para sua imensidão solitária.

Parecia também querer participar da festa, da comilança, do fuzuê, da gritaria, da lambuzeira de óleo de bronzear, de gurizinho ranhento, da mocinha de biquíni feliz porque já estava com peitinho; da senhora alegre de cerveja e da folga que tirou da cozinha, em um programa alegre com marido, netos e sobrinha, os pés enfiados alegremente na areia fofa da praia.

O mar era testemunha e se alegrava com os garotos que plantavam bananeiras na areia, com os rapazes que jogavam futebol, os senhores que andavam e carregavam os tênis nas mãos. Naquele vai e vem das ondas, o mar era o astro daquele espetáculo.

E o domingo foi indo, indo, as pessoas juntando seus guarda-sóis, seus apetrechos de praia, até que não sobrou mais ninguém e o mar ficou sozinho.

A lua havia subido no céu e lá de cima prateou a imensidão da água, que ficou com uma cor chumbo iluminado e as ondas faziam um murmúrio suave ao ir e vir deixando um rastro de espuminhas brancas.

E nesse vai e vem sereno elas lambiam a areia, como se quisessem se impregnar da alegria e da algazarra daquele festivo e movimentado dia, em que as pessoas esqueceram seus problemas, suas rotinas, para apenas aproveitar um dia de domingo!
Maria Elza🌷

PAIXONITE

 

Seu Alberto era um homem bonito. De barba cerrada, bem feita, um cheiro bom de lavanda. Manco de uma perna, distraído  ia e vinha do serviço a pé. Seu sapato adaptado lhe dava um  caminhar seguro, apesar da diferença de tamanho entre suas pernas.

Naquele bairro trabalhadores e alunos saiam cedo para o expediente e para a escola, que também era administrada pela mesma companhia.

A entrada da escola era um quarteirão abaixo do portão principal da empresa. O movimento era grande: colegas de serviço, colegas de escola, pais e filhos seguiam juntos pela estrada de chão.

Todos os dias da semana essa era a rotina. Chegando à escola, filhos davam um “até logo” aos pais, um “tchau” a um vizinho, talvez um beijinho no avô e entravam alegremente ao pátio escolar.

Os adultos seguiam mais um quarteirão, atravessavam uma avenida asfaltada e faziam fila no portão da companhia, para bater o ponto e começar o seu dia de trabalho. Uma vida comum.

Seu Alberto era um dos trabalhadores. Seus dois filhos estudantes iam junto.  Laura era filha da vizinha deles, colega dos meninos, sendo assim  todos faziam esse trajeto.

No meio do primeiro semestre, em plena sala de aula, Laura sentiu cólica. Conforme já orientada por sua mãe, falou baixinho com a professora e foi dispensada mais cedo da escola. Sua mãe  habituada a ver as meninas se tornarem mocinhas, logo imaginou que sua filha Laura ficaria menstruada e já tivera aquela famosa conversa cheia de recomendações: que não deveria mais andar por aí descalça, nem subir em árvores, e mais uma série de conselhos.

Dia seguinte, Laura teve sua primeira menstruação. Mal ela entendia o que acontecera , de todo modo sentiu-se diferente, talvez importante, na verdade, um misto de sensações a deixou pensativa.

Seus seios que despontavam como minúsculos grãozinhos tornaram-se doloridos e ela passou a carregar os cadernos agarrados à sua blusa, pois achou de repente que todos a olhavam.

Antes das férias do meio do ano, Laura já havia despontado como uma mocinha, perdeu o ar infantil e parecia mais bonita.

Foi nessa época que ela reparou de uma forma diferente em seu Alberto. Olhou-o como se só agora o visse, prestou atenção em sua barba bem feita, no cheiro da lavanda, e passou a preocupar-se em não perder o horário da ida à escola.

Ela passou a observá-lo como homem.

Para quem  nunca fora  de ir à casa da família de seu Alberto, ela agora achava um jeito de ter o que fazer ou levar para a esposa ou os filhos dele.

Ou uma manga madura, ou mostrar os pintinhos que foram chocados naquela semana, ou pedir para olhar os porquinhos que haviam nascido, pois sua mãe criava galinhas e seu Alberto criava suínos; desculpas e assuntos em comum é que não lhe faltavam.

Nessa paixonite, notou a pele dele bem lisinha e que, ao fazer a barba, aquela parte do seu rosto ficava com uma linda cor azulada. Observou seus cílios espessos e também que suas sobrancelhas eram  tremendamente bonitas.

Percebeu os seus cabelos bem pretos e cacheados. Ela viu tanta beleza nele! As suas roupas eram limpas e bem passadas.

Sua esposa não era linda, nem parecia ter sido quando mais nova. Já seus dois filhos garotos eram bonitos como o pai.

E assim ela divagou por alguns dias. A palavra correta seria sonhar. Já se delineava em Laura a característica romântica. Então ela sonhava. E se fosse ela a esposa? E se fosse ela a mãe dos garotos? E se fosse com ela que ele dormisse?

Nem para sua irmã com quem confidenciava assuntos secretos ela falou dele. Ela guardou para si a sua primeira paixão de mulher.

Em um sábado pela manhã, ela ouviu os grunhidos aflitos dos porcos da casa de seu Alberto.

Correu para a cerca, subiu em uma cadeira e na curiosidade de saber o ocorrido, ficou na ponta dos pés e olhou por entre as folhas das árvores.

Seu Alberto, sem camisa, e com uma faca ensanguentada na mão, observava sedento o porco que acabara de matar. Sem dó, nem piedade.

A paixão de Laura não suportou essa cena e acabou ali mesmo.

Morreu junto com o suíno!

 

VERDADES OCULTAS

 

— Então amor, o que você me diz? – perguntou Adriano com a caixinha das alianças reluzentes, aberta em sua mão.

Ele não demonstra, mas seus lábios secos, sua voz com um tom agudo e um leve altear de uma sobrancelha que eu conhecia bem, foram os sinais do nervosismo que ele tentava disfarçar. Meu coração bateu descompassado! Como eu o amava! Era um amor terno, intenso, que me levava às nuvens e muitas vezes me derrubava ao chão, mas jamais me deixou duvidas que ele era o meu amor pra vida toda.

— Vou tentar uma maneira de acabar logo com o nervosismo de Adriano – pensei.

Cheguei bem pertinho e dei-lhe um beijo apaixonado.

Adriano refez-se da surpresa e abriu um enorme sorriso.

— Isso quer dizer sim, Flavia?

— Quer dizer sim, Adriano! Sim pra eu te amo e sim para eu quero passar o resto da vida com você.

O restante da noite foi perfeito, Adriano feliz da vida, eu também, claro. Só que cada um sabia de uma verdade.

Eu sabia que sairia do meu apartamento duramente conquistado, alegremente decorado, friamente mantido sem hipoteca nem divida, à custa de muitos plantões e venda de parte das minhas férias, quando nós tivéssemos a nossa casa própria. Eu fazia questão dessa segurança.

Adriano sabia que me perguntou se eu o amava e se queria passar a vida ao seu lado e que minha resposta fora sim. Essas eram as nossas verdades.

Quando e como elas seriam confrontadas, eu deixei para pensar depois.

Na segunda-feira entrei em minha roda-viva de plantões e atendimentos, uma vez que eu trabalhava em tres unidades hospitalares.

Ele por sua vez precisou viajar para implantar o projeto de informatização, em uma grande unidade da empresa em que trabalhava. Era uma empresa internacional e seu trabalho incluía dar cursos e treinamentos.

Treinar os engenheiros e lideres não teria dificuldades, pois todos falavam vários idiomas.

Era um projeto de médio prazo, com muitas viagens.

Logo no inicio do namoro notei que Adriano apesar de formado, trabalhando em uma grande empresa, ainda morava com os pais, quase na condição de um colegial. Sem nenhum compromisso com a vida pratica se não o seu trabalho. Conversamos sobre isso. Ele me garantiu que na hora certa, eu me surpreenderia com ele. Tudo bem. Me estranhava porque desde muito cedo eu tomei conta de mim. Enfim…

Passados tres meses da noite das alianças, em uma das vindas de Adriano ele me perguntou:

— Flavia, nosso prazo está chegando, vamos acertar as agendas porque eu quero pelo menos quinze dias em viagem de lua de mel.

— Que prazo, Adriano? – eu perguntei

— Ele me olhou de uma forma carinhosa e me disse: Do nosso casamento, claro!

— Olhei pra ele com um ar interrogativo e disse:

— Quando você vai me levar pra conhecer?

E ele: — Conhecer? Do que você está falando?

— Da casa, Adriano! Da nossa casa! Você se lembra quando combinamos que nos casaríamos só quando tivéssemos nossa casa própria?

— É uma surpresa, amor? Uma surpresa linda, como foi o par de alianças que você trouxe daquela sua viagem?

Há tres anos estamos noivos…

O ESTRANGEIRO

Um estranho. Para as pessoas distraídas, apressadas, pensativas, envolvidas em seus pensamentos ou problemas, em que mudar a marcha do carro vem a ser um ato automático, o rapaz parado ali naquele cruzamento praticamente não existia ou era apenas isso: a figura de um estranho.

Nem sequer era olhado pelo retrovisor ao ficar para trás. Em vez de empatia despertava irritação, talvez

Um ninguém.

Gabriela é o nome da garota que passava todos os dias naquela esquina e o viu ao olhar para ele. E teve curiosidade em saber porquê, quem, desde quando, o rapaz vive nessa situação de mendigar uma moeda, um trocado. Ela criou um enredo e dia após complementava a história imaginada sobre o estranho.

Como ele era? Um rapaz banal. Nem alto nem baixo, moreno, jovem, cabelos pretos, roupas bem usadas, tipo de dias de uso. E um cartaz nas mãos onde estava escrito a sua nacionalidade e um pedido de ajuda.

Não, a garota não se interessou por ele, não o achou bonito, nem charmoso, ele passou a ser percebido por Gabriela, a moça do carro, simplesmente porque coincidia do sinal fechar e ela ter de parar justo onde ele fazia “ o seu trabalho.”

Como em um flashback, ela o imaginava em tempos atrás, em seu país de origem conversando com seus colegas, fumando um cigarro, falando do governo, questionando o presente, talvez o futuro.

O sinal abria e Gabriela seguia seu caminho e o esquecia.

Mas no dia seguinte, ao ir para faculdade, novamente ela passava por lá e enquanto aguardava o sinal abrir, dava asas à sua imaginação.

Pensava como e porque o rapaz abandonou a sua vida e veio ser um pedinte numa rua de outro país? O que o levou a isso? Que desgraças fez o jovem juntar suas coisas e vir para tão longe do seu país de origem. O país e algo tão nosso, ela pensa.

O país são os bosques, os rios, as planícies, as rochas. É o trajeto para a cidade onde mora a avó, a tia. É o amanhecer e o escurecer. É o cheiro do mato molhado pela chuva. São os barulhos dos bichos na mata, o trânsito, são os amigos, são tantas coisas…

Teria vindo só? Teria vindo com um grupo? Como ele viera parar ali, naquela esquina. Em uma cidade onde não havia praias, nem indústrias, nem empregos, pois não era uma grande metrópole. Gabriela como estudante de Administração fazia suas análises.

O semáforo abria, ela seguia seu trajeto e pelo resto do dia o esquecia. No dia seguinte, lá estava ele, com sua roupa surrada, seu cartaz nas mãos, passando por entre os carros, catando as moedas dadas ou até jogadas no asfalto se o sinal abrisse antes. Ao fechar o semáforo ele voltava para o canteiro. E Gabriela pensando: o país é mais do que só uma palavra…

Passaram-se os meses, Gabriela notou que ele já não vinha só. Trazia consigo uma garota grávida. Jovem como ele, a barriga já bem aparente, se acomodava no canteiro, à sombra de uma arvorezinha e ficava olhando a vida acontecer, tanto com os transeuntes, como com os motoristas, naquele vai e vem diário.

Ali, no meio da grande avenida, com uma garrafinha de água nas mãos e esperando. Tantas coisas ela esperava! Era o bebê que estava em sua barriga de uns seis meses de gravidez, era um emprego para o marido, era talvez juntar dinheiro para voltarem para casa. Gabriela ficava penalizada pela garota. Tão jovem e tão carente de tantas coisas!

Abriu o semáforo e no instante em que Gabriela olhou pelo retrovisor, naquele lapso de segundo, o jovem e a garota se olharam e sorriram um para o outro. E ali no meio da grama alta do lugar foi como se acendesse uma luz, emanada dos olhos e sorrisos do casal. Nesse momento, Gabriela compreendeu o sentido de tudo e foi tomada por uma sensação de paz.

E também sorrindo seguiu seu caminho pensando: que país, que nada!

O CASARÃO

O trem vinha diminuindo a marcha, Adélia acordou as crianças, um menino de cinco anos e a garotinha de dois anos. Paulo, seu marido, pegou as malas, sacolas, e a bicicleta do vagão de carga. Quando o trem parou as pessoas desceram, uns abraçavam eufóricos os parentes, outros buscavam o carro de praça, outros colocavam a mochila ou mala nas costas e saiam andando.

Final de viagem, cansaço, alegria, pressa, surpresas.

Ela desceu do vagão e ficou parada na plataforma, as mãos dos filhos em cada mão sua. Paulo vinha andando com as bagagens, Adelia aguardava pronta para pegarem o carro de praça e irem para a nova casa.

Afinal chegaram à cidade onde iriam morar! Ele havia sido contratado por uma grande empresa e fora buscá-la para começarem vida nova.  

Uma alegria só! Grandes promessas, bom salário, plano de saúde, auxílio moradia, tudo que uma jovem família podia sonhar!  

Com Paulo tudo era assim. Ele era o mais prestigiado, ele ganharia bem, ele daria uma vida de conforto à  esposa e filhos e com isso já estavam casados havia cinco anos e até então ela não sabia o que era ter uma casa. Alternou-se morando ora na casa dos pais, ora na casa dos sogros.

Mas desta vez Paulo garantiu que eram favas contadas: o emprego sonhado, a vida que ela merecia, tudo estava certo.

Tentou alegrar-se, mudar o semblante.

Adélia tinha os olhos cor de mel, era mignon, cabelos longos, muito graciosa, na faixa dos vinte e cinco anos. Paulo quase quarentão, vivido, boa lábia, o tipo que não convencia como marido exemplar e pai de família, mais parecia um cantor de pagode esforçando-se para assumir o perfil de homem de família.

Ele apaixonou-se por Adélia assim que a viu e ela correspondeu  mais pela paixão dele e pela vontade de sair logo do jugo dos seus pais.

Adelia não podia negar, o tempo todo Paulo procurou ser o homem ideal e quando os filhos nasceram mostrou-se um bom pai.

Enquanto o aguardava ela olhou ao redor e o que viu não era nada animador.

Atras dela a estação, o trem com seus vagões onde algumas poucas pessoas permaneciam embarcadas, pois seguiriam viagem até outro pais. Ao longe, à esquerda da via férrea viam-se montanhas negras, ricas em minérios, fontes de renda e de poluição.

A sua frente um grande espaço vazio, mais parecia uma paisagem de deserto, a terra seca e branca, uma vegetação rareada e esquálida torrada pelo sol e depois o asfalto produzindo uma espécie de miragem ao calor das nove horas da manhã.

O movimento de carros, carroças, ciclistas, pedestres debaixo do sol amarelado faziam subir um mormaço anunciando que ao meio-dia o calor deveria assemelhar-se ao de uma fornalha.

— Vamos, vamos— disse Paulo indo em direção ao terreno vazio. Só atravessarmos por aqui, depois o asfalto e já chegamos ao quarto que tá esperando por nós.

— Como assim? —indagou Adélia? Um quarto?

— Calma— respondeu Paulo. Não falei pra você, mas assim de cara nós vamos pra uma pensão que fica aqui do outro lado da estação ,e  enquanto vocês descansam vou buscar a chave da nossa casa.

—Mas Paulo, não foi isso que você falou! —Disse a jovem com a voz já embargada. Paulo abraçou a mulher, beijou a bebê que estava em seu colo e falou baixinho: confia Adelia, confia!

Adélia suspirou resignada, pois conhecia a sensação que Paulo provocava nela levando-a do inferno ao céu com um simples abraço. Oh ódio, ela pensou! De novo o Paulo me enrolou!

Apesar do que sentiu ela decidiu não ser hora de discussão, na rua, com malas e na frente das crianças.

Pegou a bicicleta colocou a menina em cima e foi atravessando e seguindo o caminho indicado por Paulo.

Chegaram, Adelia entrou, olhou para o quarto, depois para Paulo e este, rapidamente, na ambiguidade da sua natureza, viu não ser hora de usar de seu charme para desfazer a surpresa da esposa.

— Adélia vou sair para tomar as providências. Tome conta das crianças, se quiserem tomem o café da manhã ou descansem até o almoço. Não abram a porta para ninguém!

— Que horas você volta? —perguntou ela.

—Vou ao acampamento pegar os colchões, a chave da casa com o proprietário, ver se a energia e a água estão ligadas, ajeitar tudo e venho buscar vocês. — Paulo respondeu

— Hoje mesmo vamos dormir em nossa casa! Beijou-a com paixão, fez um afago nas crianças e saiu apressado.

Adélia resolveu não julgar Paulo, nem desanimar. Tomaram banho e se deitaram para descansar, pois a viagem fora longa.

Quase escurecendo Paulo chegou no jipe da empresa carregado com mantimentos, panelas, vasilhas e colchões de solteiros. Disse já ter ido a casa, e a mesma já fora limpa e na mesma animação brincou com os filhos:

— Quem vai comigo amanha comprar os moveis? Quem? Quem?

— Vamos crianças, peguem suas mochilas! As crianças responderam

— A gente tá pronto, pai!

— Não te disse Adelia que hoje a gente ia dormir em nossa casa? —Paulo anunciou sorrindo para Adélia. Ah, tem mais:

— A empresa abriu uma linha de crédito!— amanhã compraremos tudo que falta.

E saiu levando malas, bicicleta sacolas e foi ajeitando na condução.

Tudo arrumado despediu-se da dona da pensão e partiram para a vida nova.

Adelia num turbilhão de pensamentos e sentimentos.

Final de tarde, os pontos de ônibus lotados, carros indo e vindo, Adélia ansiosa e as crianças curiosas. Paulo ia explicando por onde estavam passando, aqui a praça, lá a prefeitura, ali igreja matriz; as ruas iam ficando sem movimento e eles ainda seguindo, entrando por ruas secundárias, deixando o centro da cidade. O morro ou montanha que ficava à esquerda da estação e  parecera distante, agora estava tão perto!   

Paulo adentrou em uma rua onde novamente se via movimento de ciclistas, pessoas, pequenos comércios, bares, açougues e Adelia percebeu que estavam na rua principal de algum bairro, bem ao pé da montanha. Paulo seguiu mais um pouco e chegou em uma esquina da rua principal, onde parou e disse: A casa!

Uma casa de esquina com a cor de um rosa desbotado e em formato de L. com várias portas, onde outrora deveria ter sido um armazém, na rua principal de um bairro movimentado.

Paulo parou e desceu do carro. Abriu o portão de madeira em que faltavam algumas tábuas e colocou o carro para dentro do quintal.

Destrancou a porta de trás, desceu as crianças, depois ajudou Adélia a desembarcar.

Abriu a casa e entusiasmado entrou no  interior do antigo armazém, um grande espaço único. Adélia olhou, não viu sala, quarto, cozinha. Paulo falava de divisão para os quartos, do espaço de sala e cozinha, o quanto seria bom ela e as crianças ficarem próximas e seguras.

Adelia com vontade de gritar, puxar os cabelos, estrebuchar de ódio e ele na descrição da casa gabando o quintal, onde havia um caramanchão com uma lavanderia de um lado e de outro lado um fogão a lenha e churrasqueira, já pensou que beleza?disse.

Adélia não abriu a boca, apenas olhava  e ouvia.

Sua raiva não era pra ser ali, não na frente dos filhos!!

Paulo pegou os colchões colocou no cômodo vazio, depois as malas e sacolas e foi ajeitando perto dos colchões.

 No mesmo tom e disposição como mostrou a casa ele disse:

— Adélia ajeita as camas enquanto vou rapidinho comprar presunto e pão para o cafe da manhã e carvão, refrigerante, e uma carne para assar. Foi ao quintal confirmar o esquema já deixado durante a tarde e saiu apressado pelo buraco do portão.

 — Não demore Paulo, pelo amor de Deus! — gritou Adélia.

— É aqui em frente amor, do outro lado da rua, eu não demoro —respondeu ele.

Ela trancou a porta e disse— Paulinho me alcança a sacola e você Claudia senta aqui, mamãe vai arrumar a cama, tá?

Pegou um desinfetante da caixa de compras e foi passando pelo chão, “naquela merda ali decerto tinha ate barata” pensava com a raiva remoendo por dentro. Foi ajeitando os lençóis, quando ouviu chamarem do portão. Ela trancara a porta, ainda bem!

Um homem falava— Ei, quem tá aí? — Ei, tem alguém aí?

O homem foi entrando pelo vão do portão e chamou bem próximo a  porta, as crianças se assustaram e começaram a gritar pelo pai e chorar. A mãe tentava acalmá-los quando ouviu a voz de Paulo:

— Quem é você? O que quer aqui? – Paulo gritava em voz alta ao estranho.

— Eu é que quero saber! O que você está fazendo? Quem são as crianças que estão chorando trancadas aí dentro?

 – Olha cara, nós nunca mexemos com crianças, hein? A gente bebe, fuma, joga, “mais nóis não é bandido não!” – Vociferava o estranho cheio de razão!

—Fora, gritou Paulo! Aqui é casa de família, sou o novo morador, vai andando, vai andando!

—Amanhã mesmo mando  arrumar o portão e não quero ver mais  ninguém entrando no quintal!

O estranho por sua vez preferiu amaciar o tom e disse

—Ta certo, óia por uns trocados eu cuidava pro dono e agora até fazia a “guarda” se o “sinhô” quisesse.

—Não precisa. Sou do exército e tenho soldados para fazer a guarda—respondeu Paulo.

Rapidamente o intruso se foi e Paulo entrou para acalmar a família.

Esse episódio poupou Paulo de tudo que Adelia pretendia falar prá  ele, depois das crianças dormirem e,  acabou com o churrasco.

Em silêncio comeram pão com refrigerante e foram se deitar.

Quando as crianças dormiram Adélia abraçou Paulo e deitou a cabeça em seu ombro.

No quintal próximo a quina da casa um pe de “dama da noite” exalava seu perfume agridoce e pungente. Uma mistura de amor e compaixão tomou o lugar da decepção no coração dela.

Paulo ficou abraçado com Adelia e mais uma vez pediu um voto de confiança. Ela devia lembrar-se: ele não estava só.

Havia a empresa, o emprego era bom, tudo era uma questão de tempo e achariam a casa certa.

Eles se beijaram e o amor amenizou o ocorrido.

Tudo ficaria bem! Ambos sorriram um para o outro e enfim descansaram dormindo abraçados.

A noite indo embora, as nuvens alaranjadas anunciavam o sol  nascendo para esquentar mais um dia. Paulo levantou-se e avisou sua esposa que precisava levar o “rancho “para o acampamento. Passaria na padaria e açougue para carregar as mercadorias, pegaria um colega no caminho e as sete horas as provisões tinham que estar a mesa, para que os empregados comessem e pegassem no batente

— Vamos às lojas assim que eu  desocupar, ta bom? E vocês crianças fiquem em casa e obedeçam a mamãe recomendou.  

Beijou Adélia com ardor e saiu.

 

Chegando ao acampamento havia uma incumbência diferente para Paulo. Teria que ir à estação pegar mais um colega e família que vinha trabalhar na empresa. A firma resolveu apressar o serviço, pois o tempo estava seco e as fundações teriam que ser feitas nessa época. Sendo assim ainda recrutava trabalhadores retardatários, que iam chegando dia após dia.

Paulo rapidamente voltou à cidade, pois era quase hora da chegada do trem. Assim que o colega desembarcou com mulher e crianças, eis a surpresa!

—É você mesmo? — Cara, que bacana te encontrar aqui! Paulo imediatamente o reconheceu: foram colegas da juventude. Abraços, reconhecimento, apresentações, e enfim a pergunta:

— Já estão com a chave da casa?

A história era a mesma: ficariam em uma pensão em frente à estação até que fossem ver a casa e tal. Em um misto de pressa e simpatia Paulo o convidou para que fossem até a sua casa, havia lugar para todos e sendo colegas da mesma empresa, seria bom para as crianças de ambos e para as esposas que se conhecessem logo.

O armazém circundava a esquina, então havia mesmo um outro bom espaço a ser ocupado e Paulo pensava com isso agradar Adelia, pois assim ela não ficaria sozinha o dia todo com as crianças.

Assim fizeram. Foi quando o amigo disse:

—Paulo, eu tenho uma casa em vista já reservada pra mim.

Que tal a olharmos? Quem sabe serve para nós todos!

Adélia gostou, pois sem dizer a Paulo como se sentia ali naquele lugar, o amigo decidira por ela!  Pelo menos abriu essa possibilidade.

 

Todos concordaram, se amontoaram no carro e foram a imobiliária pegar a chave e ver o imóvel.  Era um sobrado.

Um casarão antigo; no primeiro piso uma sala que um dia deveria ter sido maravilhosa, com uma escadaria que fora imponente em outras épocas.

No andar de cima quatro enormes quartos com banheiros. Uma construção sólida, mas antiquada.

Verificaram as instalações elétricas e hidráulicas, trancas e cadeados de portas e janelas, se a casa era segura e por fim decidiram que aquela era a casa ideal para as duas famílias.

Que beleza!

Tudo resolvido, foram almoçar e depois às lojas comprar os mobiliários. Aquela noite fizeram o churrasco, brindaram a nova vida, esqueceram todos os problemas e dormiram felizes no antigo armazém.

No dia seguinte fizeram a mudança para o casarão, escolheram os quartos, e como a loja entregaria os móveis a tarde, os homens foram ao acampamento.

Adélia e sua nova amiga ficaram para limpar tudo e esperar a entrega da loja. As crianças estavam alegremente brincando e descobrindo a nova casa.

As esposas tagarelavam esfregando o chão da sala para que aparecesse o piso maravilhoso que se desenhava embaixo da sujeira, e não perceberam que estavam sendo observadas, quando ouviram bater palmas.

As duas mulheres se entreolharam admiradas pensando que os entregadores dos móveis vieram antes do esperado.

Adélia foi até a janela de onde já estavam sendo olhadas por dois homens e eles não eram os entregadores de móveis.

Ela olhou e disse:

— Pois não?  

Um deles exclamou: — Que bom que vão reabrir!

O outro perguntou: — Que horas vocês vão começar a atender?

Mais uma provação para Adelia? ——Ahh não! Ela pensou e com

a força de toda a raiva acumulada nos dias anteriores, ela pegou o balde de agua suja e jogou pela janela no homem que ali estava, e saiu porta a fora brandindo a vassoura e gritando a plenos pulmões

—Fora, fora! Aqui é casa de família,   seus desocupados! Fora da minha casa!

Os dois homens correndo, Adelia chacoalhando a vassoura, a amiga sem entender direito o que ocorrera, viu ela voltar e ajoelhar-se no piso molhado, rindo às gargalhadas, ria, ria  e chorava  misturando as lagrimas à sua risada.

Adelia encontrara o seu papel no mundo!

Estranhezas…

Almas.

Almas rasas, almas profundas. Almas quietas, almas inquietas.
Almas glutonas. Ou seriam corpos glutões? Almas machucadas, doídas, que são só percebidas. Almas irmãs, almas curiosas.
Ao nos encontrarmos para um almoço coletivo temos uma infinidade de providências. Depois de tudo providenciado, aí é só curtir, conversar, rir, comer, beber. Ou ver as almas.
É desonesto? É como olhar pelo buraco da fechadura? É pretensioso? Creio estar aí uma boa pergunta.
Quisera ser eu uma alma bebê!
Sim! Só uma alma bebê não se deixaria perceber, não por malícia ou subterfúgio.
Mas pela inocência de ainda estar mais desnuda que oculta Por sua fragilidade só veríamos a sua inocência, sua confiança, sua entrega a pai e mãe.

E esta alma que escreve? É maldosa, é curiosa, é o quê, afinal?
— Minha Coultch venha cá!
— Você que aprendeu os gatilhos ( sem ter revólveres), que sabe construir pontes ( sem ser engenheira), que investiga( sem ser policial) venha aqui me orientar!
— Não me deixe aqui sozinha não! ( Sem ser letra de música sertaneja)!

Voltando ao almoço coletivo percebo nas pessoas esse cuidado e inadequação talvez.

O isolamento social está completando um ano. As vezes intenso, outras vezes mais frouxo, e nunca mais houve um viver normal entre as pessoas.
Então é natural que os convívios estejam estranhos. Existe como uma desconfiança quando nos encontramos. Uma interrogação em nossos rostos em relação ao encontro que antes era divertido e prazeroso.
“Será que estão mesmo se cuidando? ”

“É verdade que eles não saem e abriram exceção só por esta vez?” Essa é a pergunta oculta.

Fazer o quê? Viver enquanto estamos aqui. Com todos os cuidados preconizados.

E rezar, crer e confiar que nossas medrosas almas sejam merecedoras da misericórdia de Deus.

Minhas histórias

Eu a considerava uma idosa. Mas ela era apenas uma mulher sozinha. Nas famílias antigas era muito comum acontecer isso. A moça que não se casava ficava na família, à disposição de quem precisasse dela. Só hoje eu tenho esse olhar, esse entendimento. À época eu olhava a necessidade que eu tinha dela, o quanto eu queria que ela viesse para minha casa me ajudar…eu já tinha duas filhinhas e estava esperando outro filho. Então ela era o meu sonho, uma tia que pudesse morar comigo e me aliviar da carga pesada que minha vida tomou em pouco tempo. De estudante aos dezesseis anos eu era mãe de três filhos aos dezenove. Muita responsabilidade, muito serviço, muito tudo. Mas quem era eu para ousar pensar nisso. Embora eu fosse casada e com filhos eu ainda não fazia parte da roda dos adultos. Mas, neste ponto desta história eu me ajoelho mentalmente, para agradecer primeiro a Deus, depois aos meus pais, não sei se a mãe ou ao pai ou aos dois.

Eles estavam atentos a mim, a minha luta diária mas, como foi a conversa, como conseguiram não sei, só que ela apareceu em minha casa com seu pequeno embrulho de roupas, pouquíssimas coisas de toalete, e uma total disponibilidade de alma para morar comigo e me ajudar com as crianças!

Minha tia! Irmã do meu pai. Uma velha jovem que achou tudo tão fácil, escolheu a filha do meio e passou a cuidar dela, dava banho, arrumava seus cachinhos e a chamava de “Che mitã Cunhã”.

E assim ela morou comigo por alguns poucos anos, porque certamente já havia outra pessoa da família precisando dela e, da mesma forma que os adultos resolveram que ela viria me ajudar, já tinham decidido quem ela iria ajudar dessa vez.

Com estas memórias quero apenas homenagear um ser humano assim tão despojada de si mesma, tão feliz em cuidar dos outros, pelo menos eu tive essa graça de vê-la como uma tia-avó amorosa da minha filha, uma pessoa que passou por este mundo para mostrar o dom da doação.

Obrigada, minha Tia Crescencia por ter nos dado de beber da água da sua fonte: a Fonte da Doação!

Roda,roda…

www.instagram.com/p/COZ0STOBN2Y/

Desde que eu vi essa roda gigante multicor eu me encantei por ela. De um cantinho da janela da minha cozinha eu a olho e a acho muita serena…delicada…de uma beleza colorida e um rodar calmo que quase me hipnotiza.

Fico feliz quando encontro belezas inesperadas como nessa roda gigante tão despretensiosa em sua função de rodar, que me encanta e aquece a alma.

Do que eu gosto.

Sobre as mentorias lembram-se que escrevi? Que na minha opinião os infoprodutos tomaram conta das redes sociais com uma promessa de lucro fantástico e não sei quantos k de seguidores? E que para mim, se a pessoa não tivesse uma prova social robusta eu não conseguia aprovar esse modelo de ação. Que na área Literaria eu queria saber qual o best seller, quanto faturou, se ganhou prêmio ou fama, senão eu pensaria ser uma fraude?

Pois bem! Fiquei passada e de boca aberta com duas observações das minhas filhas. E vi que realmente, idade pode trazer sabedoria, conhecimento, cultura, e muitas coisas, mas nunca seremos donos da verdade absoluta só por sermos mais vividos.

Uma me disse:

— Mãe, os melhores professores de cursos preparatórios para concursos de juízes, delegados, peritos, etc… não são juízes, delegados e nem peritos! Eles são os melhores professores! Eles estudam a teoria para ensinar os alunos, mas nem pensam em estar no lugar dos alunos!

Minha outra filha complementou:– O melhor capacitador de enfermeiros, o que prepara e treina os enfermeiros residentes, ou mestrandos, não é enfermeiro. Ele é o melhor professor da área!

Fiquei pensando… e resolvi encerrar esse assunto sobre as mentorias. Se a pessoa for uma exímia nutricionista e quiser ser mentora de nutrição, ótimo! Mas se ela é estudiosa do assunto e quer dar mentorias e consultorias , embora nunca tenha trabalhado na área, ótimo também!

Retrato-me assim da minha visão pequena sobre esse assunto e proclamo: não penso em ensinar sobre escrever, sobre regras de português, sobre storytelling, personagens, cenário, enredo, ritmo, final aberto ou fechado, marketing, Amazon, Kindle, E-book enfim, nada que remete ao mundo que amo e faz parte do meu ser. O que eu quero? Escrever, escrever, escrever! E se vocês gostarem, eu estarei muito, muito feliz!

Depressão

““Preguiça demais às vezes é depressão. Conheça os principais sintomas:

ISOLAMENTO – fique atento aos exageros da introspecção.

MELANCOLIA – uma pontinha indefinida de tristeza durante 15 dias ou mais.

DESINTERESSE – a falta de entusiasmo para coisas boas da vida, como se divertir e namorar, deve acender uma luzinha.

ESTRANHAMENTO – sensações que dificultam a execução de atividades normais.

FADIGA – pouca energia para enfrentar o dia-a-dia e indisposição até para imaginar algum tipo de ação.

POUCA CONCENTRAÇÃO – dificuldade de raciocínio, de estabelecer uma meta, de manter o foco.

ANSIEDADE – irritabilidade excessiva, falta de confiança no amanhã e insegurança na hora decidir.

SONO OU INSÔNIA – os extremos: querer se entregar ao sono o tempo todo ou varar a noite ligadão.

MORBIDEZ – pensamentos freqüentes na morte e idéias recorrentes de suicídio.

APETITE MALUCO – fome de leão ou então a inapetência total ¿ até para aquela comidinha predileta.

Fonte: Ricardo Moreno, coordenador do grupo de doenças afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo””

New York

Nova York ano de 2018

 

Uma viagem a um mundo fascinante e surpreendente.

Embora eu já esteja prática e legalmente idosa, ainda tenho a imaginação e a curiosidade juvenil. Então não se surpreenda com os meus encantamentos! Se deixe levar!

Nova Iorque é cosmopolita. É vibrante, maravilhosa! Deu bem para entender o fascínio exercido principalmente entre os jovens e as pessoas acostumadas a viajar e a conhecer o mundo. E entre os moradores de outras grandes capitais, como São Paulo, por exemplo.

Nova Iorque deve ser visitada em qualquer época do ano. Nas quatros estações você sempre vai se encantar com o que ela tem a oferecer. 

Só andar pelas ruas já é um programa. A região da Times Square, com pessoas de todos os idiomas, sempre lotada, a qualquer hora do dia ou da noite, é um dos principais pontos turísticos. É uma cidade aonde as novidades chegam primeiro, pois ela se reinventa sempre.

A Times Square me encantou! Ela é muito mais do que eu imaginei. Meu Deus, eu pensei, aqui é o meu lugar, isto é o que eu jamais consegui imaginar, mas eu sabia existir, exatamente assim como é!

Que profusão de tipos, pessoas, fantasias, cartazes, luzes, caricaturas, vozes, músicas, vibrações. Parece ser o centro do Mundo. Não há calmaria, é um movimento constante. Pessoas do mundo todo circulam, você ouve vários idiomas, vê grupos de turistas de várias nacionalidades, é um frenesi, um fervor, um lugar único.

Nosso hotel ficava a duas quadras da avenida, por isso a vi várias vezes, na saída ou na volta para o hotel, descendo do metrô, indo dar uma volta ao fim da tarde; você se sente em meio do universo, mas no terceiro dia eu já estava com overdose das luzes, do frenesi, do movimento. Pensei comigo: cheguei tarde. 

Não! Cheguei a tempo para ver e me encantar com a avenida tantas vezes vista em filmes, onde as pessoas se reúnem e fazem juntas a contagem da descida da Bola de Prata que simboliza a despedida do Ano Velho e a saudação ao Ano Novo.  

Nova Iorque é a meca do consumo. A loja da Apple é diuturnamente iluminada e lotada. A famosa 5ª Avenida, com suas vitrines maravilhosas, as butiques com portas fechadas, pois se abrem com exclusividade e com hora marcada. A maravilhosa Catedral de Saint Patrick. O Central Park visto do alto com seus locais de patinação no gelo, trilhas, lagos, restaurantes, lanchonetes e o verde maravilhoso em suas diversas tonalidades. O Memorial das Vítimas de 11 de setembro, com a água escorrendo pelo mármore gravado como se fossem lágrimas perpétuas chorando por sobre os nomes das vítimas. As comidas de esquina. Os músicos e artistas de ruas. Nova Iorque é um show! 

A Broadway sempre povoou minha mente, pois inúmeras vezes eu ouvi sobre ela nas histórias e romances lidos e filmes assistidos. 

Um musical na Broadway era descrito como se entrássemos no mundo encantado do entretenimento, havia relatos de teatros com mais de 5.200 lugares. O cinema também mostrava o frenesi dos táxis amarelos percorrendo a avenida e deixando passageiros à porta dos teatros onde se apresentavam os mais famosos musicais, cujos ingressos precisavam ser adquiridos com muita antecedência.

Então chegou finalmente o dia de eu ir à Broadway. Eu não me envergonho ao contar minhas impressões ou surpresas, pois não estou aqui para posar de chique e vivida. Estou aqui contando minhas peripécias ao conhecer o mundo, uma vez que sempre tive esse desejo.

Pois bem, almoçamos às pressas, acredito que já nas imediações da “larga avenida”, que é a tradução literal da palavra Broadway, porque a peça WIKED a que íamos assistir iniciava-se às 14 horas. 

Então eu não veria as mulheres de longos e brilhos, de saltos e casacos de peles que eu imaginara? Ou teria visto em filmes? Lembrei-me que minhas memórias eram muito antigas e que certamente esse cenário imaginado eram em outros tempos, em filmes de época, talvez! 

Almoçamos e literalmente corremos para entrar na avenida com vários estabelecimentos, tipo comerciais normais, que traziam nas paredes os letreiros e cartazes com nomes dos artistas e horários das peças que estariam  sendo apresentadas, um mundo de luzes piscando e um monte de pessoas entrando rapidamente para procurar seus lugares antes do  espetáculo começar. 

Lanchonetes e carrinhos para comprar Coca-Cola? Correria para não perder a luz acesa e achar a sua cadeira? Guardas em cada lado da entrada cronometrando os segundos para passar a corda que limita o acesso? Não, nada confere com a minha imaginação.

Talvez numa outra viagem, eu não entre para ver nenhum musical, eu apenas ande tranquilamente pela Broadway para sentir e sintonizar minhas memórias e expectativas com a realidade. Fiquei com um gostinho de “eu queria mais que isso, Broadway!”.

Domingo em Nova Iorque, fomos para o Brooklyn, do outro lado da charmosa ponte, famosa pelas fotos maravilhosas que se pode tirar, tanto dos ângulos dela, como de Manhattan vista do outro lado. 

Fomos cedo assistir ao show gospel no Tabernáculo do Brooklyn. Nesse horário tudo era maravilhoso, havia uma magia no ar. As ruas ainda estavam vazias, as atravessávamos fazendo fotos, apreciando os canteiros, a arquitetura, as residências.

A energia e a alegria do coral tomaram conta do lindo templo. Eu me senti como se estivesse na antessala do céu. Um céu alegre, vibrante, festivo! Após o show gospel permaneciam para o culto as pessoas que assim o desejassem e saía para conhecer o bairro quem tinha ido apenas por causa do show. Descemos a rua e estávamos numa alameda à beira-rio, maravilhosa, fresquinha, com pessoas fazendo caminhadas, sentadas em bancos apreciando a vista, sorvendo e apreciando o prazer de estar em Nova Iorque.

Fomos ao bairro do Harlem conhecer a cultura afro-americana da melhor maneira possível: andando a pé pelas ruas.

As casas de pedras e tijolos, os murais, as pinturas de rua, tudo que já víramos em filmes que retratavam esse bairro histórico e encantador. Comemos panquecas gigantescas com blueberry ou mirtilos brasileiros, mel e geleias vistas nos filmes. O Harlem é um bairro icônico de Nova Iorque, sempre se reinventando e de renome mundial. 

Em frente ao Central Park, atravessado a pé com uma caminhada relativamente pequena, considerando o comprimento do parque, pois o atravessamos por sua largura e na calçada oposta ao Central Park tomamos o café da manhã no Sarabeths Central Park South, um point recomendadíssimo.

Em Nova Iorque há diversos cafés, tanto em lugares badalados, como em bairros escondidos e, em todos eles, o cheiro bom das máquinas de café é acolhedor. 

Conhecemos vários pontos turísticos, lugares fashions, andamos de metrô tanto em horários de rush, como nas madrugadas, quando o vagão era praticamente só do nosso grupo.

O Museu de História Natural não ficou de fora do nosso roteiro, bem como a vista maravilhosa em 360° que se tem da cidade vista do alto do Edge Observation Deck. Um espetáculo! 

Nova Iorque é inimaginável do ponto de vista turístico e foi um dos lugares mais intensos que eu conheci. Deus é maravilhoso, porque tudo tem seu tempo e o meu foi conhecer Nova Iorque aos 65 anos de idade e me sentir maravilhada. 

Obrigada, Meu Deus, tudo valeu a pena! Ah, valeu!

Lembranças e Saudades Jardim-MS II

Em início de 1967 eu cursava o terceiro ano ginasial e faria 15 anos em outubro daquele ano. Aos rapazes ( meus irmãos), a vida oferecia um futuro delineado no que os aguardava como serviço militar obrigatório, mas que no fundo era uma boa possibilidade de aprenderem uma profissão, engajarem na vida militar, ou mudarem para outras cidades, enfim.

Já para as meninas não havia um futuro profissional à vista, pois naquele tempo, salvo engano, os estudos em nossa cidade de Jardim encerrava-se com o curso ginasial.

Em minha família nasceram seis filhos homens, depois uma menina, mais um menino e depois eu. A prole completou – se com

mais duas meninas e dois meninos. Éramos treze filhos. Fui a segunda menina e nona filha. Com a família formada a maioria por homens, as meninas ( eu e minha irmã mais velha) não tínhamos nem uma noção do que seríamos “quando crescêssemos” e, já estávamos mocinhas.

Sendo assim ajudar nas tarefas da casa e estudar era o nosso presente. O futuro? Creio que nem meus pais faziam ideia do que esperar.

Pois bem, nesse ano a nossa cidade foi escolhida por um grupo empresarial formado por uma grande família de origem portuguesa, um grupo de irmãos, cunhado, irmã, mãe e filhos, que instalaram-se primeiramente em Bela Vista e depois mudaram-se para Jardim e foram os precursores na construção do que seria o que conhecemos hoje por uma loja de departamentos. Não que na cidade não houvesse lojas! Havia sim! Jardim com sua localização privilegiada, na região central entre as cidades vizinhas e as fazendas dos arredores era uma cidade que oferecia aos clientes lojas de tecidos finos, lojas de móveis, lojas de materiais de construção, lojas de ferragens, lojas agropecuárias e lojas de variadas mercadorias.

Mas a Luso Comercial Brasileira seria uma loja de departamentos. Lá as mulheres encontrariam desde sapatos finos, maquiagens a armarinhos; materiais de costura e tecidos, até sacos brancos para limpeza. Os homens comprariam todas as espécies de mercadorias tanto para uso próprio, como chapéus, uísques e sapatos, como materiais de fazenda, o rancho para os empregados, fumo de corda, arroz e feijão em sacos de 60 kg, móveis, lampiões, latas de querosene, cordas, fogoes a gás e tudo mais que se possa imaginar.

Isso movimentou os ares da cidade com o burburinho e o assunto de todas as rodinhas de conversas, pois gerou uma grande expectativa com a possibilidades de empregos, mais impostos para o município, o impulso para o progresso da cidade e região.

O local foi delimitado, bem no centro, um grande espaço onde montavam-se os parques de diversões que de vez em quando chegavam à cidade. Pela minha memória apenas duas pessoas tinham seus pequenos negócios em salões pequenos e antigos de madeiras e saíram do local. Era uma barbearia e o outro creio que fosse uma sapataria. O terreno ocupava o centro da quadra. Um mangueiral majestoso no meio do terreno. E esse foi o primeiro trabalho dos homens que vieram labutar na empresa. Dias e dias até acabar com as árvores, juntar a madeira, descartar as folhagens para deixar limpo o terreno. E os tratores da terraplanagem começaram a aplainar o imenso espaço onde seria construída a empresa.

Deu-se o começo à construção dos tapumes e logo em seguida o início dos alicerces do grande prédio que abrigaria a loja de departamentos; importante dizer que montou-se uma fábrica de ciblocos, uns blocos de concreto que seriam usados na construção em lugar de tijolos. Os donos eram arrojados, trouxeram trabalhadores de fora, um número significativo de homens. Meus irmãos também se cadastraram para o trabalho, caminhões iam e vinham, a cidade ganhou novos ares. Foi um acontecimento que só os mais antigos da cidade poderão me corrigir ou completar minhas observações.

Os serviços de altos falantes percorriam todos os cantos da cidade fazendo os anúncios do novo estabelecimento. Pois bem, a construção se deu rapidamente, da noite para o dia surgiu o enorme salão de alvenaria e, na parte de cima em uma espécie de mezanino, várias salas onde se instalaria a área de administração e gerência.

O responsável pela parte de Recursos Humanos era um dos irmãos portugueses, o João Gomes ou João Portuga como os peões se referiam a ele.

Com a construção terminada, os caminhões chegavam lotados de mercadorias e a arrumação da loja iniciou-se. Emblemas de grandes fornecedores nacionais como Dias Pastorinho, Matarazzo, e tantos outros estacionavam em frente ao grande armazém para descarregar as mercadorias.

Vieram trabalhadores das cidades vizinhas como Bela Vista, Guia Lopes da Laguna, Aquidauana para trabalhar.

E houve um chamamento para seleção dos novos funcionários ali de Jardim. Eu e minha irmã atendemos a data para os testes de seleção de pessoal e entramos na fila.

Com um misto de medo e alegria fui selecionada, juntamente com outras garotas das famílias mais simples da cidade. Nao me recordo como foi o processo para a seleção de pessoal, se a prova foi de português e matemática, se houve entrevista, nada disso . mas no dia da inauguração, com a benção do Padre José Ferrero e a presença de todas as pessoas importantes da cidade, eu estava lá, em fileira organizada com mais umas quantas jovens vestidas com um uniforme bege clarinho onde no bolso do peito havia o nome e o emblema da Luso Comercial Brasileira.

Inexperiente, quase caipira, sem nenhuma bagagem a não ser o dos estudos e dos livros que lia fui trabalhar na loja de departamentos. Sendo boa observadora, tímida e quieta acumulei na memória muitas episódios do que foi a chegada e instalação desse empreendimento em Jardim-MS .

Foi um período muito intenso no desenvolvimento da cidade de Jardim-MS, e para mim um período muito significativo, pois se deu juntamente com o início acelerado de minha vida adulta. Aguardo se houverem contribuições e ou correções para continuarmos juntos a rememorar os saudosos anos 1967/1968 em JARDIM-MS!

Identidade

Inscrevi-me num curso preparatório para a aposentadoria e durante o curso percebi o quanto eu não estava preparada, o quanto não tinha pensado no que faria  com meus dias livres, e como minha identidade era muito mais profissional que pessoal.  A partir daí, em agosto de 2010 passei a trabalhar com esse tema, pois escrevendo, penso…pensando, reflito…refletindo, assimilo…e ao fim, enxergo todas as benesses ou dificuldades que eu e muitas outras pessoas encontrarão ao se aposentar. 
Observem que aqui não há só o trabalho de escrever , há emoções, sentimentos, pois, desnudei minha alma, revivi minha história, me emocionei e emocionei pessoas ao recordar em como cheguei a essa etapa da minha vida. 
Vou postar aqui essas observações e espero que possam ser úteis para alguém, como foi para mim.

INICIO, MEIO E FINAL DA MINHA VIDA PROFISSIONAL, OU COMO TUDO COMEÇOU!

Em 1977 o governo federal decretou a divisão do Estado de Mato Grosso, formando então Mato Grosso e Mato Grosso do Sul devido a “dificuldade em desenvolver a região diante da grande extensão e diversidade”. Pois bem, ao iniciar o ano de 1978 mudei-me para  Campo Grande, uma jovem dona-de-casa com quatro filhos pequenos, nascida em Bela Vista, criada em  Jardim, e que vem  para perto de seus pais e irmãos que aqui já estavam estabelecidos, pois havia uma  enorme  expectativa de progresso com a implantação do novo Estado.
Eu  havia me casado cedo e nunca havia trabalhado, mas tinha o “curso ginasial” completo e sempre fui ávida em ler e saber tudo o que se esperava em relação ao grandioso futuro que se desenhava num horizonte bem próximo. Em razão disso, (e de uma certa blusa cacharel, cuja história contarei um dia) fui me preparar  para entrar no mercado de trabalho, fazendo os diversos cursos profissionalizantes que era oferecido pelo SENAC – SERVIÇO NACIONAL DO COMÉRCIO, que situava-se à Rua Pedro Celestino, entre Afonso Pena e Quinze de Novembro.
No dia 1º de janeiro de 1979  instalou-se efetivamente o governo do Estado de Mato Grosso do Sul, e foi nomeado pelo Presidente Ernesto Geisel o Dr.Harry Amorim Costa para ser o primeiro governador do Estado de MS.

TRABALHO

As oportunidades começaram a surgir, e como decidira  tomar a rédea da minha vida através do trabalho, fiquei atenta e quando foi noticiado que iria haver uma Seleção Simplificada de Pessoal para trabalhar no governo que se iniciava, corri e me inscrevia! Eu tinha cursado só o primeiro grau completo, mas era ótima em contas, percentagens, razão, proporção, essas coisas básicas da matemática e era boa em Português também, por isso nem de longe imaginei o que vinha pela frente…
A seleção era da  Secretaria de Segurança Pública, para o quadro de pessoal que trabalharia na antiga CIRETRAN,  que, com a divisão do Estado passou a ser DETRAN, nessa época um departamento da Secretaria de Segurança Pública que mais tarde passou a ter personalidade jurídica própria ao tornar-se uma  AUTARQUIA.
Bom, chegou o dia da realização do “concurso” e lá fui eu, lápis preto bem apontadinho, borracha macia, caneta azul, e muita, mas muita vontade mesmo de ser uma das aprovadas.
Quem se lembra duma lápide que havia numa rua perto da antiga rodoviária, onde pessoas iam rezar  acender velas e pedir uma graça? Eu ouvira em algum lugar ser de uma menina que havia sido morta naquele local e se tornara uma SANTINHA  e que era protetora dos estudantes, por isso desci até lá e rezei fervorosamente pedindo que me agraciasse com as respostas certas para as questões do concurso.
Como eu já disse, eu me garantia nas matérias de português e matemática, mas quando li as  perguntas específicas, eu não tinha  a menor noção sobre via preferencial, velocidade permitida, infrações de trânsito, enfim, uma vez que sequer sonhara um dia em tirar Carteira de Habilitação, o que pelo menos me daria respostas às questões  elementares sobre legislação de trânsito e por isso, só posso dizer que certamente a Santa Carminha deu sua cota de graças !
Era março de 1979 e o Correio do Estado (ou Diário da Serra?) trazia a manchete sobre o  primeiro “concurso público” do novo Estado e lá estava  meu nome e minha classificação: passei em 19 ° lugar.
Certamente que a divisão do Estado tem seus  registros históricos, e para muitos  pode ter  outras  conotações, mas para mim as lembranças estão misturadas com minha história pessoal, e as recordações têm um doce gosto de vitória.
Fomos chamados para colocar em ordem o novo local de trabalho, um enorme salão, na esquina da Avenida Tamandaré com a Rua D.Pedro II que estava sendo preparado, com colocação de divisórias, parte elétrica, vidros, guichês, e toda infra-estrutura necessária para que o  Departamento funcionasse. Era imprescindível que ao abrir as portas tudo estivesse nos seus devidos lugares e quando me refiro a tudo, refiro-me principalmente ao que viria a ser minha ocupação nos próximos dias: os documentos ou  prontuários dos condutores de veículos foram despachados  de Cuiabá, em infindáveis caixas de papelão, onde estava etiquetado o nome do município que passara a ser do MS e deveriam ser organizados, para serem colocados nos novos arquivos que estavam sendo montados. Bom, sem mesas e nem cadeiras para sentarmos, um colega muito criativo, o  Rubens ( também era cantor e violeiro), deu uma volta em todo o prédio  e veio com a solução: duas pilhas de tijolos e uma tábua, que se tornou ao mesmo tempo, nossa mesa e cadeira, pois nos “acavalávamos” sobre a tábua com uma caixa na frente e outra no chão e separávamos os documentos em ordem alfabética e por município. Foram dias e dias nesse trabalho em  cujo final estávamos com as costas em frangalhos, mas sem perder a garra e a alegria de fazer parte desse momento histórico e feliz por estarmos trabalhando!
Além disso, havia as surpresas: Olha! È o prontuário do Glauber Rocha! Ou, este não é daquele ator da Rede Globo, o Rubens Correa? Quem achar o do Nei Matogrosso avisa, viu? Mas o nome dele é esse mesmo? E por aí afora…
No Departamento Estadual de Trânsito  iniciei  meus anos de trabalho, como servidora pública do Estado de MS e tive o primeiro registro em minha Carteira de Trabalho novinha em folha, pela Secretaria de Segurança Pública.
Trabalhei oficialmente de 16 de abril de 1979 a junho de 1982 e claro, aprendi muito sobre legislação de trânsito, tomei consciência de que deveria continuar os estudos, passei a  entender  os meandros do poder  público, as nomeações políticas, a troca de chefias e coisas do tipo.
Foi assim que ampliei a minha visão e passei a querer novos horizontes, uma vez que muitos dos colegas com quem eu trabalhara  já haviam saído para trabalhar em outros lugares. Em outubro de 1981 foi criada a Portaria  248, e todos os funcionários que eram celetistas   passaram  a ser do quadro provisório do Estado, o que gerou um desconforto, pois aí sim, ficava bem claro, que não havia estabilidade, como o próprio nome dizia.
Bom, meus  novos horizontes  vieram de uma  forma  inesperada em junho de 1982 e assim iniciou-se o meu segundo “tempo de serviço”…

TRABALHO PARTE 2

Recomecei meus estudos em 1980 no Colégio Mace onde eram oferecidos cursos técnicos profissionalizantes ao fim do qual eu teria o 2º grau ou ensino médio e o passaporte para a faculdade. Em janeiro de 1982 comecei a cursar o curso de Administração na Universidade federal de MS com uma pontinha de resignação por ter que abrir mão de cursar Direito na Fucmat, uma vez que também passei nesse vestibular, mas não tinha condições de pagar o curso.
Não era e nem hoje  quero ser uma fanática por  política partidária, mas impossível não notar que nos   primeiros anos do novo Estado houve certo  “readequamento” das forças políticas, ou o mais correto seria dizer uma “queda de braço”, o que trazia mudanças no comando e na forma de trabalho. Em meados de 1982 houve mais um desses troca-trocas e resolvi sair de férias, certamente desgostosa com algo ou alguém, e graças a uma ótima memória seletiva que eu tenho em  esquecer coisas ruins, hoje nem me lembro ao certo o que era!
Esse era o contexto geral quando fui indicada para o que viria a ser meu 2° tempo de serviço, que ocorreu de uma forma muito interessante.
Os órgãos públicos estavam se instalando e os concursos aconteciam: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e até um antigo concurso realizado pelo DASP (um órgão responsável pelo serviço público federal) passou a chamar os classificados, entre os quais eu me incluía,  para trabalhar nos órgãos ou delegacias federais que passaram a se instalar na nova capital – Campo Grande.
Como o chamado do DASP não era interessante  pedi para colocar meu nome no fim da lista. Quanto ao concurso do TJ/MS, minha classificação não foi suficiente para ser nomeada e  me despedi de uns oito ou nove colegas do DETRAN que ficaram melhores
pontuados  e foram trabalhar  naquele poder. No Banco do Brasil  não passei e vi mais colegas saindo para  tomar posse e assim foi acontecendo, com despedidas, alegrias e esperanças.
Venceu o prazo de validade do concurso  TJ/MS  e como havia necessidade  de mais funcionários, a Diretoria teve a idéia de ir buscá-los na lista dos aprovados e não nomeados, e para tanto passou uma cópia dessa lista para que os colegas indicassem alguma pessoa conhecida e que atendesse aos padrões  por eles  exigidos.
Tcham…tcham…tcham! Meu nome teve oito ou nove indicações!
Fui localizada e marquei entrevista com a Diretora Geral do TJ/MS que me explicou gentilmente que não haveria  estabilidade, pois a  contratação era pela Lei 274, uma vez que o concurso  não tinha mais validade e que já havia outro concurso em andamento, etc…Não tive dúvidas mesmo assim, pois o salário era o triplo do que eu ganhava e agarrei com unhas e dentes a oportunidade de trabalhar no Poder Judiciário, onde fiquei de  junho de 1982 a dezembro de 1985, sendo que fiquei pela Lei 274 apenas 2 meses, pois em agosto de 1982 passei para o cargo de Auxiliar Judiciário e posteriormente passei como Técnico Judiciário. O que tenho a dizer desse período é que aprendi muito sobre organização, hierarquia, pontualidade e  foi com muita dúvida que saí de lá para meu 3. tempo de serviço: Aqui, onde estou agora me preparando para aposentadoria!

TRABALHO PARTE 3

O Estado ainda estava se organizando, criando concursos para servidores das diversas áreas e em 1985 houve o concurso para a SECRETARIA DE ESTADO DE FAZENDA, ÁREA DE FISCALIZAÇÃO.
Passei nesse concurso e tomei posse em 04 de dezembro de 1985. Em razão da minha formação em administração pública e do trabalho na área financeira e contábil que exerci no Tribunal de Justiça de MS, fui lotada na Contabilidade Geral do Estado. Nesse setor trabalhei de 04/12/1985 até 20/04/2011 data em que me aposentei. O que posso falar desse tempo? Que foi minha vida, meu ar, minha escola! Tanto que após oito meses apenas de aposentadoria, aqui estou eu novamente trabalhando na mesma área no Tribunal de Contas de MS. Ao parar de trabalhar precisei  me analisar e entender o que se passava em  minha mente,  uma vez que meu nome, minha referencia , meu local de trabalho,  onde fui todos os dias por trinta e cinco anos passaram a não existir mais e , ao  ficar em casa durante a semana percebi que uma nova pessoa passou a existir.
Nova para mim mesma, nova para minha empregada, pois quando eu saia de casa para trabalhar ela passava a ser a dona daquele espaço. E agora somos duas a ocupar o mesmo papel. Tenho um post em que abordo essa questão.
Quanto a mim estou bem comigo mesma. Aposentada do trabalho obrigatório, mas atuando com amor e leveza neste novo trabalho, pelo tempo que eu decidir. Hoje, sei que estou preparada para parar, sei que terei sempre boas lembranças da minha rotina, sei que fiz grandes amigos que levo para a vida toda e que sou eu, MARIA ELZA , a pessoa, e não a Maria Elza da Contabilidade Geral do Estado.

O IMPULSO PARA A MUDANÇA OU A BLUSA CACHARREL

Todos da casa, minhas irmãs, meu pai, meus irmãos trabalhavam. Eu ficava em casa e ajudava nas tarefas domésticas. A vida era escassa, mas com 25 anos e ainda inexperiente ou inocente, sei lá, eu via os dias correrem e apenas me ocupava com meus filhos. Minhas irmãs eram bem arrumadas, pois saiam para trabalhar, uma em escritório, outra em loja, outra era costureira duma “maison, onde entendia de moda, etc…
Com a vida que eu levava, não existia roupa nova para mim, apenas reaproveitadas. Pois bem, num dia qualquer houve uma liquidação numa loja grande do centro e minha irmã mais velha se arrumou e correu para a tal loja, ver o que tinha para ser comprado. Era uma liquidação pós inverno dos anos 70, onde esteve no auge da moda as blusas cacharrel, que ainda hoje pode -se ver nas revistas de moda que revivem esses anos.
E estavam super baratas por isso minha irmã comprou várias, umas oito ou dez blusas, de todas as cores e chegou radiante com sua sacola de blusas, e minha mãe e eu, e as outras irmãs a rodeamos para ver as peças. Ela foi passando um para fulana, outra para sicrana, essa para mim, e de novo, e as cores bonitas iam saindo… ai Meu Deus já foi a amarela, talvez seja a vermelha, e nada, já estava até me conformando com a preta ( que detesto), quando acabou as blusas e não ganhei nenhuma.
Um nó subiu a minha garganta e ao tentar engoli-lo senti que as lágrimas me chegavam aos olhos, disfarcei, saí de perto e um calor me subiu ao rosto, um calor misto de vergonha misturada com uma certeza: NÃO, EU NÃO DEVO CHORAR! EU TENHO PERNAS, EU TENHO BRAÇOS, EU TENHO CAPACIDADE! EU DEVO SER CAPAZ DE TRABALHAR E COMPRAR AS ROUPAS E O QUE MAIS EU QUISER, PARA MIM! Nesse dia minha vida mudou!
Bendita blusa cacharrel!

Keta Gonzalez – Minha história

Sou formada em direito e trabalho na parte jurídica de uma empresa há 24 anos. É uma área onde há muita pressão e muita cobrança. Na tentativa de desestressar comecei a fazer trabalhos manuais e foi amor à primeira vista! Transformar a matéria prima em objetos, criar com as próprias mãos é algo que me encantou profundamente!
Isso já faz 16 anos! Passei por muitas etapas e muitas experiências. Há mais ou menos 4 anos comecei a costurar bolsas de tecido e achei o couro, por acaso! Fui procurar pedaços pequenos pra fazer detalhes nas bolsas e fui gostando de trabalhar com o material! Agora trabalho exclusivamente com couro e é a minha grande paixão. Decidi que trabalharia apenas com os retalhos. Assim, contribuo com o meio ambiente, porque evito o desperdício e o descarte desse material e ao mesmo tempo me desafio na criatividade. Sim, porque trabalhar com peças inteiras seria muito mais fácil e prático, mas fazendo isso eu estaria apenas reproduzindo o trabalho das fábricas de bolsas.
E o que gosto de fazer é criar, é transformar!
Trabalhar com retalhos de couro me desafia a criar sempre, porque cada peça é única, pode até haver algumas peças iguais, dependendo do tamanho da peça e do retalho, mas sempre serão poucas peças iguais. Eu brinco dizendo que os retalhos é que dizem o querem ser. A compra é minha mas a decisão no que quer se transformar é deles. Isso porque sendo retalhos alguns apresentam pequenas marcas naturais e nem sempre a textura ou a gramatura deles vão me permitir fazer qualquer peça
Assim o couro me ensina, me ensina que às vezes precisamos dar um olhar diferente para as coisas, pra poder encontrar uma solução e me ensina que pequenos detalhes não tem o poder de esconder uma grande beleza!

Nossa idade

Nossa idade está na moda. Todos falam muito dela. A tal Terceira Idade. Vocês que são meus amigos sabem como eu sou, não é? Ora uma doçura de pessoa, ora mordaz e rápida em minhas respostas. Mas estou sempre e cada vez mais exercitando sentimentos nobres, paciência benfazeja e tolerância sincera. Faço isso por opção e juízo. Sim, juízo ao evitar desgaste ou fadiga, juízo de achar melhor concordar que discutir. Prefiro ser feliz a ter razão.

E em minhas leituras encontro muitas vezes a confirmação das minhas opções. Assim do nada acho um autor que tem o mesmo pensamento que eu. As vezes ditas de formas rebuscadas, outras de formas simples, mas com a mesma essência. Li que há quase uma unanimidade em achar que na terceira idade teremos sabedoria. E que isso não tem como ser verdadeiro. De onde que sem nenhum esforço próprio, apenas pelo efeito de um ano após o outro, alguém poderia adquirir sabedoria?

Sabedoria provém de maturidade, que por sua vez está relacionado com o que faz sentido na vida da pessoa, da aceitação e de como vê suas conquistas, enfim das consequências e escolhas que fazem com que a pessoa sinta que vale a pena viver! A vida não é e nunca foi um mar de rosas, cabe a cada um de nós colocar as flores em nosso caminho, e aí poderemos dizer que a velhice nos trouxe sabedoria.

Ainda sobre os cuidados…

Não sou chata, sou atenta. E sou sua amiga. Por isso divido minhas descobertas, mesmo que elas pareçam óbvias! Sabe , a gente tem muitas coisas na cabeça, quanto mais idade temos mais nosso deposito de lembranças, conhecimentos, pessoas, assuntos se acumulam. Então, às vezes, alguém nos dá um toque de algo útil que naquele momento não estava aflorado em nossa mente e já nos ajuda, concordam?

Então, ontem falei dos remédios. Hoje continuando esse assunto quero lembrar a voces, que umas três vezes ao ano, devemos fazer um limpa em nossos remédios guardados. Olhar a data de validade e descartar os vencidos em local apropriado. Eu jogava no vaso, até que fui alertada que poderiam estar contaminando o lençol freático de onde viria a água para as nossas casas. Aqueles que foram usados só uma vez de forma ocasional devem ser levados onde tem pessoas especializadas em avaliar se servem e direcionar para doação. Remédios são caros e tem muitas pessoas que não tem condições de adquirir. Então lembre-se não acumule remédios. Eles podem vencer e também pode haver pessoas que estejam precisando, ok?

CuidadosxCarinhos

Um carinho faz bem. Um cuidado também! E quando o carinho e o cuidado são escolhas conscientes e se aplicam a você mesmo, a sua pessoa? Nesses casos eu acho um grande exemplo de amor-próprio, além de uma necessidade mesmo de sermos responsáveis por nosso bem estar, até quando isso for possível. Não é por estarmos na terceira idade que delegaremos a outros os cuidados do dia a dia. Vou dar um exemplo: a partir de uma certa idade devemos ter cuidados alimentícios, pois surgem diabetes, pressão alta, e as pequenas mazelas com as quais temos que conviver. Sendo assim, enquanto estivermos donos da nossa capacidade neurológica, com boa memória, com a nossa mobilidade corporal trabalhada em pequenas caminhadas e prática de exercícios físicos apropriados , nao delegue a ninguém seu auto cuidado. Trate-se com cuidado e com carinho. Você merece isso e vai ver como é estimulante cuidar do seu corpo, dos seus remedinhos diários, do quanto de açúcar vai por no seu café, de evitar o alimento que não lhe faz tão bem. Eu desenvolvi essa prática, a partir de um elogio que recebi de minha mãe ao cuida-la, mas já nos seus 93 anos. Eu me cuido e crio ambiente favorável também aos meus cuidados. Vou mostrar aqui meus cestinhos de remédios, o cesto menor são dos remedinhos diários, o cesto maior é “a despensa”. Fica à vista para que ao repor o cesto diário, eu tenha visão de que dia tenho que ir à farmácia. Meu copo de água lindo e maravilhoso com uma frase do meu livro, que ganhei de aniversário, meus controles, meu cabo de celular, minha lâmpada para caso eu precise à noite, e demais objetos que fazem parte do meu bem dormir. Podem acreditar, isso não é mania de velhice. Isso é auto-cuidado, é independência, é bem viver.

Cuide-se, ame-se, mime-se. Você merece!

Dia 04/04/2021 – Domingo de Páscoa

Lembro-me da minha infância. Só lembranças boas. Que felicidade é ser criança, a alegria genuína, não a alegria de ter alguma coisa. É alegria de ser! E o que eu era? Uma garota entre vários irmãos, primos, tias e tios, uma avó que era cuidada como se fosse uma relíquia, um pai amoroso e uma mãe atenta e cuidadosa! Essa Páscoa em específico estávamos em Bela Vista, na casa de minha avó paterna, a Abuelita. Já velhinha sentava-se próxima à porta que dava para o quintal, porque lá era o “quartel general” das festividades. Talvez vocês não consigam imaginar o que é uma Semana Santa de antigamente e principalmente das famílias paraguaias. Muito simbolismo, muita fé e muita comilança! Para que todas as iguarias fossem preparadas existia no quintal um fogão à lenha, um forno de barro chamado tataquá, uma mesa comprida onde armava-se máquina de moer milho, as tias amassavam a massa da chipa, se houvesse mandioca fazia-se um bolo delicioso chamado “caburé”, as madrinhas e tias faziam para os seus preferidos a “chipa” no formato de pássaros, pombas, rosas chamados de “lopi”. Quem ganhasse um mimo desses ficava esnobe que só!

A Comemoração pelo dia da Ressureição de Cristo começava cedo. Bem cedo. Lembro-me que tinha um altar com os Santos cobertos até determinada hora. Depois tirava-se a cobertura, acendia-se velas e na tarde do sábado alguém providenciava folha de espada de S.Jorge ou galho de árvore de uns 60 cm. que ficavam ali no altar. No domingo cedo, desde os mais velhos até o bebezinho passava em frente ao altar para que minha avó lhe “desse a Páscoa”. Pensa em um ritual onde há fé, comoção e euforia. Claro que a euforia era das crianças na fila da Páscoa. Nossos pais diziam que tínhamos que confessar nossos pecados e mesmo que não os tivéssemos ajoelhávamos com as mãos postas e pedíamos a benção. A nossa avó fazia um sinal da cruz com umas batidinhas das folhas em nossa cabeça e dava um conselho ou um pequeno sermão. Ela sabia tudo de todos! Quanto ao meu pai, mãe, noras, filhas, e adultos que ali estivessem, ela fazia esse ritual com o Rosário. E todos saíam dali renovados!

Porquê? Pela tradição, pela fé, pelo costume, por que era Domingo de Páscoa! Um dia inesquecível!

Quem é Keta Gonzalez

É uma marca de produtos de couro. Qual é o diferencial? Por que essa marca está aqui no DIVINAS EM BLOG ou BLOGDASDIVINAS?

O diferencial é que os produtos são confeccionados por uma artesã que cria o design, corta e costura o couro de forma artesanal. São de retalhos de couro, por isso não há duas peças iguais, podem ser parecidas, mas não iguais. Não é produção em série. São peças únicas.

A marca Keta Gonzalez faz parte do BLOGDASDIVINAS ou DIVINASEMBLOG, como foi sugerido porque o blog foi idealizado pela mãe Maria Elza escritora, e agregou os produtos da filha Keta Gonzalez. Agora você já conhece as duas Divinas, maravilhosas e talentosas artistas deste blog. Uma escreve, outra produz. E ambas realizam seus sonhos, com amor e sensibilidade!

Calçar bem

Quando somos jovens compramos os sapatos pela beleza, modismo, evento e conforto também. Mas o foco é se o sapato combina com a roupa, ou com a bolsa, se é para o dia, ou para a noite. Enfim, compramos sapatos. Ainda mais se formos mulheres! Aí o sapato já vira um objeto de desejo mesmo, não é o de precisar, mas de ter e, quanto mais pares temos, mais compramos. Se há closet na casa, uma parte são para os sapatos. Se não há olhamos com admiração as amigas que têm.

Lembrei-me disso ao ver a Ciça Lotti do @organizanagaveta ensinando como guardar os sapatos. Aí me veio à mente um assunto que não se ouve falar, mas que afeta o físico e o psicológico das mulheres. E afeta de formas leves e de forma pesada. Há as negacionistas, tem também aquelas que acham um exagero, tem as que dizem vou morrer usando salto vocês jamais vão me ver calçando sapatos de pano, como das vovós.

Sinto lhe dizer! A terceira idade pesa. E pesa nos pés. Você sem perceber já não compra mais salto agulha, passa a usar saltos quadrados que dão mais segurança, daí você vai para os anabelas semi altos, quando você menos perceber, terá sapatênis na sapateira.

Um tempo depois olhamos a nossa sapateira e com uma dor no coração constatamos que há dois anos não usamos mais saltos altos, que os sapatos estão ressecados lá na prateleira e ocupando lugar. Aí com uma pena de nós mesmas decidimos: tenho que doar meus saltos.

É isso amiga… doar os saltos e passar a procurar sapatos macios, confortáveis, condizentes com a nossa “terceira idade”! Essa foi uma perda que em mim doeu muito, ah se doeu!!

E você? Como viveu essa fase? Sair dos saltos? Me conte!

Ah, meus vinte anos!
Lá pelos 40 anos…
O que se há de fazer, não é? 😜

Criado como filho. Será?

Criado como filho!
Hoje, Sexta-Feira Santa, participei da Via-Sacra. E entre todas as Estações, aquela em que Maria coloca o corpo do seu filho Jesus no colo me chamou atenção.
A mãe de Jesus estava ali durante todo momento.
Aí me distraí e lembrei de uma postagem de uma amiga que li essa semana. Ela disse que quem tem mãe não passa fome, nem frio, não se molha e não tem sede. Essa amiga perdeu a mãe novinha, aos 13 ou 14 anos. E eu lembrei quão solitária e complicada foi a trajetória dela sem a mãe.
Depois fui até minha infância e lembrei das sextas-feiras santas que passávamos em família. O dia era longo, triste, ninguém cozinhava, comíamos chipa e sopa paraguaia preparadas de véspera. Não se varria a casa e, se não estou enganada, era o único dia do ano em que víamos a nossa avó com os cabelos soltos.
Nesse dia, nós as crianças, não podíamos brincar, correr, gritar ou externar qualquer sinal de alegria.
Mas, é claro que fazíamos tudo isso na maior discrição e diversão. Até que alguém nos pegava… e… sempre a culpa era de um primo, aquele que não teve mãe. Desculpe, ele teve sim, afinal todos nós temos mãe.
Mas a história que nos foi contada é que a mãe dele deixou ele para o pai criar, meu tio. E ali na casa da minha avó, ele foi criado com todo amor pela minha avó, minhas tias que eram moças e solteiras e o pai dele estava por ali, mas não encampou a educação dele.
Eu sei que esse primo era criado como se fosse filho, mas nunca, jamais criado como um filho. Pois a cada arte que aprontava, ia pra casa de uma tia ou voltava pra casa da avó.
E assim ele foi crescendo, sendo amado pela minha avó e criado como se fosse filho por algumas tias, até na nossa casa ele passou uma temporada.
Era um verdadeiro avulso. Sua vida não foi fácil, envolveu-se com drogas e foi morto em razão delas.
Eu sei que lembrei de tudo isso lá na via-sacra e chorei. Chorei pelo que a mãe de Jesus passou, pela minha amiga que amargou a ausência de uma mãe, por meu primo que não soube o que significava uma mãe, por meus filhos, porque nem sempre sou uma boa mãe. Suspirei de saudades desse dia vivido em família e enfim retornei ao presente e agradeci a Deus e à Maria porque minha mãe sempre esteve do meu lado, em todos os momentos da minha vida, fossem de angústia ou de alegria. Minha mãe é minha segurança e a pessoa que me acolhe em todo e qualquer momento, sempre. É uma dádiva ter uma mãe!
Obrigada Mãe, porque está comigo em todo momento!!!

Texto de minha filha Rossana!Reflexões profundas em um dia carregado de significados: a Sexta-Feira da Paixão. Por tudo, obrigada, Saninho!🙏

Mentorias 2

Continuando a minha percepção sobre mentoria, é notório o quanto as pessoas estão investindo em uma rede social que nasceu como se fosse ser apenas mais uma, mas tomou uma proporção muito grande. Qual é o segredo das pessoas e marcas que alcançam estratosféricos números de milhões de seguidores? A maioria tem uma equipe por trás da sua imagem ou “marca”. São profissionais do marketing dando o suporte tecnológico, coach motivacional, apoio psicológico, nutricionista, personal trainer. São auxiliares que trabalham exatamente para manter e aumentar o encantador número de milhões de seguidores que os fazem “monetizar”, sendo vitrines tanto para seus negócios, quanto para os patrocinadores.

Mas acontece também e aí sim eu considero um fenômeno, pessoas que simplesmente estouram da noite para o dia, sem nenhuma ajuda externa e se tornam muito populares. Tanto que hoje esse é o sonho de muitos jovens. Tornar-se uma celebridade da internet e faturar com isso. Trabalhar? Estudar? Se formar? Para quê?

Nas duas vertentes, o próximo passo é se tornarem mentores. Vamos montar um curso! Vamos dar mentorias de como conquistar seguidores, afirmar a sua marca e monetizar! Vamos ensinar como se tornar os novos milionários, os que faturam milhões, os novos ricos . Tem que ostentar, mostrar o quanto gozam a vida, os carros que dirigem, o que comem, onde malham, o que vestem. O que mesmo produziram? Alguém pode me dizer, por favor?

Mentorias

O mundo virtual é uma realidade. Embora pareça um paradoxo, não é. O mundo virtual passou a ter muita importância, as pessoas tem que estar em quatro ou cinco redes sociais, postar, comentar, interagir. Antigamente, ao acordar as pessoas faziam o sinal da cruz e talvez uma oração para começarem o dia.

Hoje o que as pessoas fazem é olhar as suas redes sociais, quantos likes tiveram, quem comentou, se ganharam ou perderam seguidores. Essa é a ação mais importante do dia. Na verdade é o que vai definir aquele dia. Claro que eu estou inserida nesse grupo. Sigo a onda.

O que não me impede de ter pensamentos críticos sobre o mundo virtual. E principalmente na prestação dos tais infoprodutos. Acho tudo tão precário como um castelo de cartas. Um vento e todos vão ao chão. É como se fosse uma pirâmide, uns se apoiando nos outros e ganhando ou querendo ganhar milhões e ficar milionários da noite para o dia.

Sinceramente eu vejo quase um estelionato nessa prática! Voltarei ao assunto e direi porquê penso assim.

Descobertas

Parece incrível descobrir já na idade madura características que não tínhamos. Ou será que tínhamos e não percebíamos? Ou será que desenvolvemos agora na terceira idade? Amigos(as) vamos prestar atenção, antes que vire mania e pior, vire defeito!

Você já reparou naquele seu amigo que tudo ele quer que você repita? Pode ser muitas coisas: ou você está perdendo a coerência no falar, não está se fazendo entender, ou pode ser que seu amigo esteja começando a ter um problema de surdez. Nos dois casos temos que identificar bem a causa, sem causar melindres!

Com o avanço da ciência a vida está se prolongando mais. É óbvio que a vida se prolonga quando vários “mecanismos” do nosso corpo já estão desgastados. Mas com a tecnologia avançando juntamente com a ciência existem soluções para quase tudo! Os aparelhos de surdez são mínimos, as cirurgias dos olhos sempre existiram, as muletas tem chipp, o seu celular pode ser interligado com a sua localização e assim várias outras modernidades.

Quanto a mim recebi queixas de que eu sou ansiosa. Quero as coisas para ontem. Imaginem! Logo eu, que sou do signo de Libra, cujo símbolo é o equilíbrio em forma de uma balança! Ah, tá, só se for nas questões digitais! Aí, sim, eu realmente não sei, tenho preguiça de aprender e tenho incomodado meio mundo! Rsrs.

Vou aprender! Prometo! E você? Qual tem sido as queixas que tem recebido dos seus? Me conta aqui nos comentários.

Hã? Quê? Onde?

Até mais!

AS FORMIGAS – Conto de Luiz Vilela

Foi a coisa mais bacana a primeira vez que as formigas conversaram com ele. Foi a que escapuliu da procissão que conversou: ele estava olhando para ver aonde ela ia, e aí ela falou para ele não contar pro padre que ela tinha escapulido – o padre ele já tinha visto que era o formigão da, frente, o maior de todos andando posudo.
Isso aconteceu numa manhã de muita chuva, em que ele ficava no quentinho das cobertas, com preguiça de se levantar, virado para o outro canto, observando as formigas descerem em fila na parede. Era de lá que elas saíam, a casa delas.
Toda manhã, aquela chuva sem parar, pingando, na lata velha lá fora no jardim, barulhinho gostoso, que ele ficava ouvindo, enrolado no cobertor, olhando as formigas e conversando com elas, o quarto escuro, tudo escuro de chuva.
A conversa ficava interessante, quando ele lembrava de perguntar uma porção de coisas, e elas também perguntavam pra ele. (Conversavam baixinho para os outros não escutarem.). Mas, às vezes não lembrava nada para conversarem e ficava chato, ele acabava dormindo – formiga tinha hora que era feito gente mesmo.
O bom é que ninguém precisava gritar, nem também mentir. Como as pessoas estavam sempre fazendo. E também poder ficar olhando assim, sem falar nada, só olhando, sem precisar falar.
Gente, se tinha outra por perto, uma logo tinha que falar, ninguém agüentava ficar calado: vaca amarela pulou a janela (…..) uma falava ou ficava fazendo hum…. hum…. e ria – ninguém, agüentava. Ficar assim olhando, tão bom que nem sabia direito se estava acordado mesmo ou sonhando, as formigas, uma atrás da outra descendo em fila certinha.
Uma tarde entrou no quarto e viu a mancha de cimento novo na parede, brutal, incompreensível.

  • Pra quê que o senhor fez isso? Pra quê que o senhor fez assim com as minhas formigas?
    O pai não entendia, e o menino chorando, chorando. Então o pai deu no espalho. Mas a mãe pediu para ele ter paciência, nesse tempo de chuva as crianças ficam muito excitadas porque não podem sair à rua e não têm onde brincar
    De manhã o menino acordava e olhava para a mancha de cimento na parede. Ficava olhando até que sentia um bolo na garganta, e cobria a cabeça com o cobertor.
    VILELA, Luiz. Tarde da noite, São Paulo: Ática, 1988. p. 128-9.
    AS FORMIGAS
    Luiz Vilela

Gostei muito do conto!!!

Minhas mãos

Sabe o que me pertence? O meu corpo.

Falo do corpo mesmo. Cabeça, braços, torso, pernas, mãos. Conheço cada pinta nova, cada ruga, cada mancha.

Antes eu só olhava meu rosto. Meus olhos contavam o que me ia na alma, no espírito.Tempo de perguntas, tempo de surpresas, tempo de urgências. Isso bem antes, na juventude.

Depois com a vida exigindo mais e mais passei a dar valor às minhas pernas, elas eram fortes e me levavam aonde eu tinha que ir. E ia mesmo, para o trabalho, à escola, à casa da minha mãe. O transporte público não era interligado, então andava-se muitas quadras até chegar ao ponto do ônibus. E ter pés e pernas fortes foi fundamental.

Passado esse período, veio este tempo. De não correr mais atrás de nada, de aquietar-se, pois chegou o tempo da fragilidade, da observação, da constatação.

Aí vejo o envelhecimento chegando aos poucos em meu corpo todo. Uma manchinha aqui, outra ali. Uma dor crônica , um desgaste de coluna ou algo do tipo. Mas é o meu corpo. Pelo qual tenho carinho e cuidado. Olho meus braços e minhas mãos. Que hoje mais do que nunca cumprem um papel importante. Me afagam, quando estou doente, escrevem quando quero libertar minhas ideias, meu pensar. Então instintivamente as cuido, as olho, as vejo. Olho para minhas mãos, como um dia olhei para os meus olhos. Cada qual em sua época cumprem a mesma função. Expor o que me vai na alma! Hoje são minhas mãos, com as quais exerço meu ofício da escrita quem mais merece meu carinho e cuidado.

Sabe o que de fato me pertence? Meu corpo!

Meu primeiro livro

Escrevi e publiquei meu 1° livro! Um passo audacioso que a terceira idade me proporcionou. Não me preocupei mais com opiniões, olhares, cochichos.

Não é um livro de tamanho grande. Tem 10 contos e aproximadamente 70 páginas, cujo pano de fundo é o isolamento social imposto como quarentena, em razão da pandemia.

Entremeio esse assunto com lembranças da minha infância, sendo assim é um livro informativo e também tem leveza com essas reminiscências.

Contos da Quarentena1 de Dafne Maria está como ebook na Amazon e tenho o livro físico para vender, caso alguém leia a degustação e queira comprar o livro físico!

É isso, caros amigos! Em tempo: o livro Contos da Quarentena2 já está em produção!

Pandemia

O período de isolamento social está completando quatro meses já. Quem não terá notado esse período?

Haverá quem não o tenha notado? Ouvi muitas vezes a pergunta: Que mudanças ocorrerão no mundo depois dessa pandemia? E também ouvi respostas variadas. Mas a que me parece mais verdadeira é que nada vai mudar. Terá sido um período de tempo apenas incômodo para a maioria, trágico para quem perdeu familiares para a doença e inesquecível para quem esteve à frente no que diz respeito aos campos médicos, científicos, políticos.

E vida que segue.

Não para mim. Quatro meses sem ver filhos e netos, sem almoços de domingo em família, o mesmo período sem fazer minha viagem mensal ao Paraguai, onde vou regularmente no que eu considero meu lazer individual e possível (jogos eletrônicos), quatro meses sem os encontros mensais do Café com as amigas, muitos dias sem visitar as pessoas que eu gosto, e pior do que tudo, o não contato físico, não poder abraçar nem beijar meus filhos e netos, abraçar carinhosamente ao encontrar uma amiga, passar a mão ao cumprimentar alguém…É muito estranho viver sem tocar.

Revisitei minha vida, fiz um balanço do que vivi, do que senti, do que fui e do que sou. Preparei-me para a morte? Não sei. Sei que precisei fazer o que fiz!

Meu maior medo é o estrago psicológico que essa situação possa trazer como consequência. Embora sempre soubemos que não éramos imortais, parece que a pandemia esfregou na nossa cara o quanto não temos domínio sobre nossas vidas. Isso não é fácil de simplesmente abstrair. Quem ganhará com isso? A indústria farmacêutica com a venda de milhares de ansiolíticos e remédios para depressão, os consultórios médicos com pessoas doentes do corpo e da alma, talvez as indústrias de bebidas e cigarros, num afã de anestesiar a mente e continuar a viver.

Quisera eu dizer que as igrejas se encherão de pessoas procurando ajuda espiritual, mas neste momento, da forma que estou, não consigo vislumbrar essa grandeza nem em mim, quanto mais na humanidade.

Quem viver verá! Literalmente!

Escrever

Escrever é existir. É resistir. O que mais eu posso fazer neste período negro da humanidade que não seja existir e resistir?

Sendo assim escrevo. Sobre o presente escrevo o que a doença Covid-19 causa, qual a reviravolta que o coronavirus deu e está dando no mundo. Sobre o passado tiro cuidadosamente o véu dos acontecimentos que marcaram minha vida, minha alma juvenil, meu corpo de mulher e mãe.

Porquê tanto cuidado? Para sentir se não dói mais, para não machucar ninguém, e para honestamente me libertar do que não foi como poderia ter sido.

Sobre o futuro, como já “passa do meio dia”, falo de esperança, da expectativa de boa saúde, da alegria através dos filhos e netos, do convívio prazeroso com poucas amigas, sobre a doçura que encontro na fé, sobre agradecer por tudo!

Essa é hoje minha vida!

Heroínas II

Quando me referi a Maria ( Mãe de Jesus) como minha heroína, falei de forma rápida, só fiz uma referência.

Agora quero falar de como ela me toca, de como eu a sinto grande, enorme mesmo, em sua fé e entrega.

A imagino em casa, camponesa, filha obediente, mocinha bonita, linda mesmo, recatada, vivendo aquela vida sem sobressaltos, prometida a um rapaz da cidade, também gente boa como ela, chamado José, que apenas esperam a idade ou época oportuna para se casarem e continuarem a vida ali naquele vilarejo, como seus pais, como seus avós, como todos os conhecidos.

Nisso, aumenta nas imediações, no vilarejo, nas conversas, a notícia da vinda de alguém que seria o Prometido, o Messias, o Salvador. Acredito que as pessoas todas esperavam um homem, um adulto, alguém que chegaria para fazer mudanças, que muitos nem faziam ideia do que seria, num misto de esperança e curiosidade.

Aí, e nisso reside minha admiração por Ela, ela sonha com um anjo que lhe diz que ela será a mãe do Prometido, que através dela chegará o Salvador. O que faz Maria? Não se desespera, não questiona, não argumenta.

Como mexe comigo aquela mocinha, meiga, linda, inocente apenas dizer: Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a sua Vontade!

Tornou-se a Mãe do Mundo, a Mãe de Todos! Tornou-se a Heroína do Cristianismo, venerada e adorada por todos e em todo o tempo!

Que entrega linda, que exemplo de fé tem Maria, minha heroína!

Imaginação

Existem frases lindas, às vezes dizem tudo, às vezes dizem nada. E eu? Eu “viajo” na imaginação, rsrs

“Ela era poema, ele não sabia ler”.

Esse me remete à mulheres de alma sensível, e homens toscos.

“Tenho fases como a lua, fases de andar escondida, fases de ir para a rua”

Que lindo, não é? Penso que essa pessoa acaba também sendo poema, com dias de ser texto e dias de ser entrelinhas.

“Se você amou um canalha , só tem duas opções: Perdoe-o ou Esqueça-o.

As duas são difíceis!

Essa foi dita por uma mulher, de um único amor . Ela amou um canalha. Sabia sobre o que falava!

Viram como tem muito a ser imaginado em apenas uma frase?

A minha é: “Tenho memória ótima para esquecer acontecimentos ruins!”

Velho? Não!Experiente? Sim!

Gostei copiei e colei.

Os dez mandamentos da 3ª idade:
1º – Não se aposente da vida pra se tornar a praga da família. A vida é atividade, e o verdadeiro elixir da eterna juventude é o dinamismo. Não despreze as ocupações enquanto tiver energia para as lutas cotidianas. Se não tiver nada pra fazer, vá caminhar, passear no shopping, jogar baralho na praça.. qualquer coisa, menos aporrinhar os outros!

2º – Seja independente e preserve a sua liberdade, mesmo que seja dentro de um quartinho. Quem renuncia ao próprio lar, obriga-se a andar na ponta dos pés, pra evitar atritos com noras, genros, netos e outros parentes. Se possível more num flat para idosos, pois tem tv a cabo, internet, piscina, sauna, AMIGOS de cuidados, como se fossem flores. Se a sua memória estiver falhando, anote numa agenda sentimental as datas mais importantes das suas vidas, e compartilhe com eles a alegria de estar presente. Como vc é um velho do século XXI, aprenda a mexer com a Internet: programe todos os aniversários em seu email… ele informará vc com antecedência….vc nunca esquecerá nada!

5º – Cuide da sua aparência e seja o mais atraente possível. Não seja um daqueles velhos relaxados, que exibem caspa na gola do paletó e manchas de gordura na roupa, que revelam o cardápio da semana. Nunca despreze o uso de água e sabão. Vá ao salão de beleza uma vez por mês, pelo menos: a moça vai fazer sua unha, seu pé, cabelo e barba…não tem preço ficar com ela te agradando por uma gorjeta! VISTA-SE COMO UM LORD! NADA DAQUELA BERMUDAS XEXELENTAS, MOLETONS ROSAS E SAPATINHOS DE VELHO…

6º – Seja cordial com os seus vizinhos. Evite implicar-se com o latido do cachorro, o miado do gato, o lixo fedorento na calçada ou o volume do rádio. Um bom vizinho é sempre um tesouro, especialmente se os parentes morarem distantes. SEJA ESPERTO: OUÇA MÚSICA COM FONES DE OUVIDO PARA SE LIVRAR DOS BARULHOS QUE TE CHATEIAM… UM FRANK SINATRA, JOBIM, CHARLIE PARKER, NAT KING COLE…ACALMARÃO VC E O FARÃO LEMBRAR DOS BONS TEMPOS…SEM SAUDOSISMO…SE ESTIVER DEPRESSIVO ATAQUE DE ELVIS, BEATLES, CREEDENCE, ROLING STONES, PYNK FLOYD …!

7º – Cuidado com o nariz, não se intrometa na vida dos filhos adultos. Eles são seres com cérebro, coração, vontade, e contam com muitos anos para cometerem os seus próprios erros. FECHE A MATRACA!

8º – Fuja do vício mais comum da velhice, que é a “presunção”. A longa vida pode não lhe ter trazido sabedoria. Há muitos que chegam ao fim da jornada, tão ignorantes como no início dela. FAÇA DE CONTA QUE VC NUNCA VIVEU NADA! EXPERIÊNCIA NÃO SE PASSA! FIQUE SÓ OBSERVANDO OS ERROS E NÃO SE META, A MENOS QUE ALGUÉM PEÇA A SUA OPINIÃO, RESISTA À VONTADE DE DA-LA…TUDO O QUE É DE GRAÇA, NÃO TEM VALOR!
Deixe que a “humildade” seja a sua marca mais forte.

9º – Os cabelos brancos não lhe dão o privilégio de ser ranzinza e inconveniente. Lembre-se de que toda paciência tem limite, e que não há nada mais desagradável do que alguém desejar a sua morte. Aprenda jogar xadrez, usar o WhatsApp OCUPE SUA MENTE COM OUTRA COISAS! *NÃO ENCHA O SACO DOS OUTROS*!

10º – Não seja repetitivo, contando a mesma história três, quatro, cinco vezes. Quem olha só para o passado, tropeça no presente e não vê a passagem para o futuro. FIQUE DE BOCA FECHADA E SERÁS UM SÁBIO! LEMBRE-SE QUE VC TEM DOIS OUVIDOS E UMA BOCA SÓ: ISSO NÃO É POR ACASO!

Isto posto, *BOM DIA* 😉

To com saudade…

Estou com saudade de escrever… Mesmo quando não estou postando minha mente está a mil. Pensei em tantas coisas, vi , ouvi , refleti , assisti , critiquei, aprendi, desaprendi…
Aí já viu, não é? Preciso escrever!
Vou falar agora de uma dor imensa que partilhei num dos grupos de terceira idade ao qual pertenço. Alguém colocou uma questão: qual o seu maior desafio? Nossa! Foi tantas dores, tantos amores desfeitos, tantas perdas partilhadas que precisei me precaver para não absorver as dores de alma que minhas colegas de vida e de jornada de terceira idade expuseram… Histórias antigas, outras sendo vivenciadas agora, pois praticamente se percebia que a pessoa deixava ali de lado o “ seu desafio” , e ia escrever naquele momento , um pouquinho da sua dor!
Qual a conclusão que tirei dessa experiência?
Poderia aqui escrever um monte de teorias, frases feitas de auto ajuda e tal, mas não . Não me atrevo a isso!
Apenas penso… e concluo que precisamos tirar os esqueletos dos armários , colocá-los ao sol, olhar para eles, se desfazer deles se for o caso e, principalmente nos permitir ser ajudadas nesse processo!
Terapias, Florais, Amigas, Fé, Religião, Resolução, seja qual for a ajuda por vc escolhida, saiba, que isso será a melhor resposta ao grande desafio que hoje deve ser nosso compromisso: Viver essa etapa da vida da forma mais leve e mais feliz possível! B57271EB-74F6-4BA3-B4A5-0D8ADDB303CF

Reencontro

Nos reencontramos neste final de semana. Quem? Amigos de quase 40 anos de amizade e convivência, novos colegas que provavelmente se tornarão amigos, filhos dos amigos, amigos dos filhos, até o mais novo integrante do grupo, o Enzo, com três meses esteve nesse encontro. Da vida o que se leva é o amor dado e o amor recebido. Amor que se percebe nos detalhes de quem arruma o local para nos reunirmos, amor dos esposos e esposas que embora não tenham trabalhado conosco, nos conhece pelo nome, sabe quem somos e respeita nossa amizade, participa dela, se alegra com nossa alegria de estarmos juntos. img_0829
Se as pessoas tivessem mais interesses em reencontros pessoais, do que em mídias sociais, todos teriam a ganhar, com certeza! A vida é breve e não podemos deixar para amanhã, o encontro que poderia ser hoje!

As aparências não enganam…

Eu nunca valorizei maquiagem… quando jovem minha imagem me bastava: Pele Morena jambo, olhos verdes, cabelos castanhos escuros… Uau!!! Que gata que eu era! Bom, os anos foram passando, a pele escureceu com as manchas, passei a pintar o cabelo , os olhos continuam verdes, mas as rugas, as verruguinhas, as olheiras, tudo se acentua e chama mais atenção que a cor dos meus olhos! Pois bem, um dia fui cedinho a casa da minha filha, e a vizinha dela estava ali por fora, no condomínio, naquela troca de bom Dia e tal. Olhei para a senhora e a notei maquiada, pele levemente rosada nas faces,batonzinho nos lábios, sobrancelha arrumada, cabelos idem. Uma pessoa agradável de se olhar. Ahhh, foi aí que me deu um insight: preciso começar a me maquiar: o mundo não merece olhar para um rosto já “passado nos anos” ao vivo e sem cores! E viva a maquiagem! Por nós e por todos que nos veem!

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Falando de Imagem, sabemos que depois dos 40 anos, o cuidado com a pele, tem que ser redobrada, por isso perder alguns minutos logo pela manhã, vai melhorar sua autoestima e conquistar um visual saudável com uma pele uniforme, vem um frescor! O cabelo perde a cor, cabelo longo, já não favorece mais o rosto, da uma aspecto de cansaço,( precisa rever) a sobrancelha precisa de retoque, os olhos precisam de pelo menos rímel e corretivo para tirar o cansaço, a pele um protetor solar no tom da sua pele, o blush suave na maça do rosto e uma cor nos lábios completa em harmonia sua imagem. Com esse cuidado toda mulher fica bem com sua aparência.portrait-model-studio-lighting-37610

Segunda-Feira

Ah, segunda-feira…você já foi meu amor e ódio, minha alegria e minha tristeza, oh, se foi!
Hoje nós somos amigas! Amigas, sim. Amigas, porque a semana recomeça, vou a clínica, faço exercícios físicos, fisioterapia respiratória, reencontro os “colegas”, colocamos as novidades ou notícias em dia, nos animamos e volto para casa com energia renovada.
Ah, antes, em casa ainda recebo minha fiel escudeira , vemos o que vai ser o almoço, separamos as roupas para lavar, enquanto a ouço me contar das suas coisas, do seu final de semana, do seu bairro. Que coisa boa é essa facilidade que nós mulheres temos de nos comunicar, falar dos filhos, da sogra, do que foi bom, do que não foi. Os homens falam do FAZER. Nós mulheres falamos do SENTIR.
E nisso lá se foi a antiga segunda-feira que já foi amor e ódio. Hoje, é mais um dia a ser vivido, da melhor maneira possível, nessa merecida etapa da vida de APOSENTADA!
E viva as segundas-feiras! img_0845

Terceira Idade

Não consigo entender esse nome. Porque terceira? Quem dividiu a vida dessa forma? Não sei… deve ter estudos, pesquisas, evidenciando essas etapas… eu não me aprofundei nessa questão. A mim interessa o ser humano… a idosa, o idoso. Penso neles, sou um deles, sinto como eles. E me surpreendo sempre. Tem os que se entregam, tem os que nem percebem que já são idosos, tem os que negam, tem os que os observam(eu) e se observa também.

Tenho um carinho muito grande pelos idosos… as manchas na pele, o andar “manietado”, a solidão, às vezes a confusão mental, a repetição , a teimosia…todas essas manifestações eu sou atenta e solidária. Quando foi que meu coração adquiriu essa ternura? Teria sido eu mesma a inspiração? Não sei. Mas sei que sinto isso e que sentir só não basta. Calma, Maria Elza, calma…Tudo ao seu tempo! O que quer que eu venha ou possa fazer por meus pares idosos, o Universo me dará a resposta de forma clara e inequívoca! Eu aguardo!

Experiências

Vou falar de fé. Fui criada numa família grande, pai, mãe, irmãos, irmãs, tios, tias, avós…Minha família tinha suas raizes nas nacionalidade paraguaia , espanhola, latina, portanto a fé congregada seguia esse padrão. Não era fria, de ritos apenas.
Porque digo isso? Porque é uma fé intensa, exagerada, dramática. Tanto para nos amedrontar com os pecados, como para nos conquistar com as graças. Éramos católicos. Íamos à missa, guardávamos os dias Santos, enfim.
Sendo assim desde sempre me apeguei a fé. Ao meu jeito. Épocas de intensidade, épocas de alheamento. Mas nunca de negação ou dúvida. E hoje, aos sessenta e cinco anos, eu tenho a mais absoluta certeza que a fé foi o alicerce que me permitiu chegar até aqui.
Gostaria muito que os mais jovens, e mesmo os adultos, idosos ou não, se deixassem conquistar pela fé. Amar, perdoar, agradecer! O mundo tem muitas coisas boas…o progresso, as belezas, as invenções tecnológicas, e tantas outras coisas…mas o prazer, o deleite na posse de bens materiais, o prazer da boa mesa, as viagens, o convívio com amigos e família, tudo, mas tudo mesmo fica melhor se vc tiver a fé em Deus, como pilar da sua vida! O Divino, o Absoluto, a Luz…Deus! Eu sou feliz, eu tenho fé! img_1296